Revista Elas por elas 2014
A revista sobre gênero Elas por Elas foi criada, em 2007, com o objetivo de dar voz às mulheres e incentivar a luta pela emancipação feminina. A revista enfatiza as questões de gênero e todos os temas que perpassam por esse viés. Elas por Elas traz reportagens sobre mulheres que vivenciam histórias de superação e incentivam outras a serem protagonistas das mudanças, num processo de transformação da sociedade. A revista aborda temas políticos, comportamentais, históricos, culturais, ambientais, literatura, educação, entre outros, para reflexão sobre a história de luta de mulheres que vivem realidades diversas.
A revista sobre gênero Elas por Elas foi criada, em 2007, com o objetivo de dar voz às mulheres e incentivar a luta pela emancipação feminina. A revista enfatiza as questões de gênero e todos os temas que perpassam por esse viés. Elas por Elas traz reportagens sobre mulheres que vivenciam histórias de superação e incentivam outras a serem protagonistas das mudanças, num processo de transformação da sociedade. A revista aborda temas políticos, comportamentais, históricos, culturais, ambientais, literatura, educação, entre outros, para reflexão sobre a história de luta de mulheres que vivem realidades diversas.
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Mudar a cultura machista do Brasil<br />
é o maior desafio para se combater a<br />
violência. É o que afirma a pesquisadora<br />
do Departamento de Ciência Política<br />
da Universidade Federal de Minas Gerais<br />
(UFMG) e coordenadora do Nepem<br />
(Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a<br />
Mulher), Marlise Matos. Segundo ela,<br />
é im<strong>por</strong>tante ter em mente as causas<br />
estruturais da violência para um trabalho<br />
eficaz de prevenção. “Sem essa postura,<br />
vamos continuar com a sensação de<br />
enxugar gelo, pois a violência cresce a<br />
cada dia”.<br />
Na avaliação da pesquisadora, o<br />
Brasil está sempre nos primeiros lugares<br />
do ranking de qualquer indicador de<br />
violência (crimes com arma de fogo,<br />
no trânsito, violência contra mulheres,<br />
etc) <strong>por</strong>que traz em sua história muita<br />
violação de direitos e sua institucionalização.<br />
“O quadro perverso de desigualdade<br />
social é antigo, <strong>por</strong>que a exploração<br />
econômica vem desde a colonização,<br />
também violenta. Na nossa<br />
história, foram muitos anos de forças<br />
autoritárias no poder e poucos e recentes<br />
anos de forças democráticas. Só hoje,<br />
podemos falar publicamente, <strong>por</strong><br />
exemplo, que o Estado erra, que a Justiça<br />
é falha”, afirma.<br />
De acordo com Marlise Matos, tudo<br />
isso reflete na questão de gênero, pois<br />
a hegemonia sempre esteve com uma<br />
pequena elite, composta <strong>por</strong> homens.<br />
“As conquistas femininas são todas recentes:<br />
o direito a estudar, trabalhar<br />
fora de casa, votar, ser militar, ser candidata<br />
a algum cargo político, etc. Pela<br />
primeira vez elegemos uma mulher<br />
para presidente do país. E ainda são<br />
poucas as mulheres na vida política.<br />
Na Câmara dos Deputados, 98% são<br />
homens e, em geral, brancos, escolarizados,<br />
profissionais liberais, latifundiários.<br />
O eixo de dominação está nessa forma<br />
de representação. Manter isso é ter as<br />
mulheres sob o domínio dos homens”,<br />
afirma Marlise Matos.<br />
Portanto, a dominação de gênero<br />
tem causas estruturais. “Hoje 60% das<br />
que se formam no ensino superior são<br />
mulheres. Saíram da vida privada, a<br />
casa, e foram para o mundo público,<br />
que historicamente é masculino, ocupando,<br />
aos poucos, as escolas, o mercado<br />
de trabalho, as várias instâncias de poder.<br />
Dessa forma, a mulher desequilibrou o<br />
núcleo estrutural que organizou a sociedade.<br />
Ela foi contra o que era natural,<br />
foi para o público, mas o inverso não<br />
aconteceu. O homem não foi para o espaço<br />
privado. Em geral, não aceita fazer<br />
as atividades para o funcionamento da<br />
casa, gerando um mal estar que tem<br />
sido recoberto com mais violência. E,<br />
assim, quando a mulher sai do privado<br />
novamente, tornando pública a expressão<br />
da violência que vive, rompe a<br />
última das fronteiras. Em geral, é aí que<br />
o companheiro a mata”, ressalta.<br />
Mas o fato de que a mulher se escolarizou<br />
e que tem ocupado o mercado<br />
de trabalho não significa que tomou<br />
total consciência do lugar de subordinação.<br />
O modelo de poder é masculino,<br />
patriarcal. “Muitas vezes, a mulher, no<br />
lugar de poder, repete o que aprendeu,<br />
isso está arraigado. Ela até acredita,<br />
pois a sociedade a faz pensar assim,<br />
que precisa ser igual ao homem para<br />
não ser atropelada”, acrescenta a pesquisadora.<br />
“<br />
A violência se<br />
instala quando a<br />
mulher não fala o<br />
primeiro ‘não’<br />
A postura machista da mulher, que<br />
faz com que se sinta responsável e culpada<br />
<strong>por</strong> tudo, é mais visível quando é<br />
vítima da violência. Nessa hora, ela<br />
tem dificuldade, inclusive, em denunciar<br />
o homem que a agrediu. De acordo<br />
com a médica coordenadora do Programa<br />
de Saúde da Mulher da Faculdade<br />
de Medicina da Universidade de São<br />
Paulo, Ana Flávia D’Oliveira, ao participar<br />
do Fórum Fale Sem Medo (ocorrido<br />
em novembro de 2013, em São<br />
Paulo), a mulher, muitas vezes, não denuncia<br />
seu companheiro não só p<strong>elas</strong><br />
suas ameaças, mas “<strong>por</strong>que tem vergonha<br />
do que o outro vai pensar sobre<br />
ela; ou até mesmo <strong>por</strong>que acredita que<br />
seu marido a está educando ou que<br />
tem este direito, já que culturalmente o<br />
homem é quem sabe, quem faz. Essa<br />
mulher sofre, ainda mais, com a cobrança<br />
de todos”. Para a médica, é<br />
preciso desestigmatizar esse problema<br />
e mostrar como ele é comum, em todas<br />
as classes sociais. “E, acima de tudo,<br />
reforçar que vergonha é bater, é cometer<br />
violência. Isso, com certeza, ajudaria a<br />
diminuir o sentimento ‘de vergonha’<br />
vivido <strong>por</strong> essas mulheres. A sociedade<br />
as culpa tanto que a cultura é a seguinte:<br />
se é estuprada, morre de vergonha, e<br />
muitas vezes, sofre em silêncio. Mas se<br />
é sequestro relâmpago, não existe vergonha,<br />
a denúncia é feita na hora. Precisamos,<br />
urgente, mudar a percepção<br />
com relação à violência de gênero”,<br />
afirma Ana Flávia.<br />
Sociedade perversa<br />
No processo de desconstrução de<br />
ideias e com<strong>por</strong>tamentos que reforçam<br />
a violência, é preciso eliminar também a<br />
imagem de que a violência aparece de<br />
uma hora para outra. Para a coordenadora<br />
do Nepem, Marlise Matos, ninguém começa<br />
dando um tiro. “Com todo esse<br />
viés cultural, a violência se instala quando<br />
a mulher não fala o primeiro ‘não’,<br />
diante de pequenos atos como ciúme. A<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Elas</strong> <strong>por</strong> <strong>Elas</strong> - março <strong>2014</strong> 53