105resposta mínima, on<strong>de</strong> pensamentos e ação têm que estar unificados, sobrepena <strong>de</strong> o seu adversário lhe inverter um golpe, um rabo <strong>de</strong> arraia, te pegarno movimento contrário, e te quebrar os <strong>de</strong>ntes, a face, te <strong>de</strong>smaiar. Entãoo espaço da roda é um espaço on<strong>de</strong> intenção e gesto têm que estarunificados. Há a unificação da intenção e do gesto, ou seja, o centramentodo individuo no seu aqui e agora (MESTRE REGINALDO VÉIO) 53 .Consi<strong>de</strong>ramos que esse estado diferenciado <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong>scrito pelomestre consiste na emergência <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> ritornelização, no qual háabertura e fragmentação, porém, com o surgimento concomitante <strong>de</strong> um sentimento<strong>de</strong> unicida<strong>de</strong>. Rupturas <strong>de</strong> sentido, que po<strong>de</strong>m gerar focos mutantes <strong>de</strong> subjetivação(GUATTARI, 2002). Na capoeiragem, a produção contínua <strong>de</strong> focos mutantes <strong>de</strong>subjetivação engendra a construção da malícia, em um processo no qual a tradiçãoé suporte da invenção.Na roda <strong>de</strong> capoeira, diante da aceleração do jogo e da intensificação da luta,quando se abrem corpos sem órgãos, limiares <strong>de</strong> campos <strong>de</strong> morte, on<strong>de</strong> qualquerprodução seria impossível, é por meio da tradição, dos fundamentos, dos rituais quepotências e energias se con<strong>de</strong>nsam e propiciam a ritornelização. “Eis que as forçasdo caos são mantidas no exterior e o espaço interior protege as forças germinativas<strong>de</strong> uma tarefa a ser cumprida, <strong>de</strong> uma obra a ser feita.” (DELEUZE; GUATTARI,1997, p. 116) A bateria muda o ritmo, o mestre puxa um corrido e o coro respon<strong>de</strong>:“é <strong>de</strong>vagar, é <strong>de</strong>vagar, <strong>de</strong>vagarzinho. É <strong>de</strong>vagar nesse jogo miudinho” 54 . O cantoalerta para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retomar a ludicida<strong>de</strong>, o jogo mais lento, mais gingado.Po<strong>de</strong> haver também a interferência do berimbau gunga para a conclusão do jogo, omovimento <strong>de</strong> uma chamada <strong>de</strong> <strong>Angola</strong>, que paralisa momentaneamente o diálogodos corpos, ou os jogadores po<strong>de</strong>m dar a volta ao mundo.Pra nós, a capoeira é um mundo, nós usamos a expressão: “dar a volta aomundo”, que é circular <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um espaço <strong>de</strong>terminado pela roda. Com avolta ao mundo a gente faz um interregno no jogo. A gente faz a volta aomundo quando a gente tá cansado, quando a gente tá per<strong>de</strong>ndo o equilíbriointerior. A gente faz volta ao mundo quando é induzido pelo mestre, queestá tocando o berimbau maior e que percebe, a um dado momento,conexões que seguram a estrutura do jogo. Então ele propõe que se dê avolta ao mundo, que é a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reor<strong>de</strong>nar o universo interno apartir daqueles dois praticantes (MESTRE REGINALDO VÉIO) 55 .53 Informação verbal obtida em entrevista realizada em 04/03/2006.54 Corrido cantado na roda <strong>de</strong> capoeira da Lenço <strong>de</strong> Seda. Pesquisa <strong>de</strong> campo. Observaçãoparticipante realizada em maio <strong>de</strong> 2006.55 Informação verbal obtida em entrevista realizada em 04/03/2006.
106Enfim, essas e outras linguagens compõem o universo da tradição, dos rituaise dos fundamentos da <strong>Capoeira</strong> <strong>Angola</strong> e <strong>de</strong>vem ser respeitados para que essaexperiência potencialize a alegria e o prazer, a festa do corpo, a intensida<strong>de</strong> da vidana roda. Na capoeiragem, o que se busca não é a vitória sobre o outro, mas não servencido e possibilitar que o movimento continue em um processo <strong>de</strong> invenção, “umaconjugação ou uma conexão <strong>de</strong> diversos fluxos”, que produz a diferença.(DELEUZE, GUATTARI, 1996, p. 98)Falando no micro universo, do individuo que está praticando a capoeira, ali<strong>de</strong>ntro, o tempo todo, o convite é pra que ele quebre o código. Ele anuncia o códigonuma direção e realiza na outra, ele sinaliza uma cabeçada mais na verda<strong>de</strong> o quevem é uma rasteira. Lá no micro, no momento do jogo singular, a capoeira é umconvite a uma brinca<strong>de</strong>ira, a subverter as expectativas dadas, sempre. Ele trabalhasobre uma cristalização e carrega uma expectativa, a capoeira é um convite parasubverter as expectativas o tempo todo (MESTRE REGINALDO VÉIO) 56 .Na visão <strong>de</strong> Mestre Véio, não há, na <strong>Capoeira</strong> <strong>Angola</strong>, a intenção <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolver uma prática on<strong>de</strong> um se mostre superior com a <strong>de</strong>rrota do outro, com aimobilização do outro: a coisa acontece muito mais no cenário da brinca<strong>de</strong>ira, dadança, do lúdico, do encontro. Cada indivíduo no jogo trabalha sobre umacristalização, um contorno <strong>de</strong> si, uma expectativa dada, que se <strong>de</strong>sfaz, se dilui econecta heterogeneida<strong>de</strong>s no encontro da roda. O mestre acrescenta que, naconstrução do cotidiano, a vida se faz nos encontros que vão acontecendo. Nacapoeira, o encontro mais intenso produz-se no diálogo dos corpos: são doiscontendores se olhando no olho, tentando o máximo <strong>de</strong> disfarce <strong>de</strong> energia, <strong>de</strong> olhare <strong>de</strong> movimento, para surpreen<strong>de</strong>r. Um processo <strong>de</strong> invenção, numa brinca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>ocupar espaços na roda: espaços vazios, espaços do outro.Nesse movimento que abre corpos sem órgãos, transita do lúdico a umapotência guerreira, articula tradição e invenção em conexão com universosheterogêneos, corporais e incorporais, a capoeira converte-se no espaço-tempo emque o corpo, em festa, se liberta da alma. Há a emergência <strong>de</strong> um ritornelocomplexo, que potencializa a produção <strong>de</strong> subjetivações singulares através daconquista da malícia.56 Informação verbal obtida em entrevista realizada em 04/03/2006.
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