111a ser o protagonista <strong>de</strong> si mesmo num <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> diálogo <strong>de</strong> corpos on<strong>de</strong>intenção e gesto têm que estar unificados. É nesse sentido, nesseisolamento <strong>de</strong>ntro do todo, por assim dizer, que você, ao longo do tempo,vai fazendo a sua autopoiese, e vai conquistando níveis maiores do cuidar<strong>de</strong> si. No espaço da roda, no cenário da roda, quando eu me proponho a serum dos dois atores principais, (...) eu assumo sem subterfúgios as minhaspossibilida<strong>de</strong>s e os meus limites, eu me <strong>de</strong>snudo na frente dos outros, nafrente da platéia. Existe todo um cenário montado com baterias, comcantigas, com rituais e tal, e nesse cenário eu sou o ator principal. Como eudisse antes, é um cenário on<strong>de</strong> intenção e gesto têm que caminhar juntos,<strong>de</strong> maneira que, naquele momento, eu sou o único responsável por mim, eusou o único intérprete <strong>de</strong> mim, eu sou o único protetor <strong>de</strong> mim mesmo, eusou o exercício, o conhecimento da roda <strong>de</strong> maneira singular (MESTREREGINALDO VEIO) 62 .A experiência da roda propicia a intensificação das forças em um processoem que é necessário unificar intenção e gesto, sem subterfúgios: no encontro com ooutro, nos movimentos <strong>de</strong> perguntas e repostas corporais, há um processo <strong>de</strong>reativação mútua, em que emerge o conhecimento <strong>de</strong> si, a elaboração <strong>de</strong> si <strong>de</strong>maneira singular, que proporciona ao capoeirista uma forma <strong>de</strong> centramento.Na cultura greco-romana, além das correspondências, havia também a escritados hupomnêmatas 63 , que era “uma maneira <strong>de</strong> recolher a leitura feita e <strong>de</strong> serecolher nela” (FOUCAULT, 2004, p.150). Essa escrita consistia numa escolha <strong>de</strong>elementos heterogêneos, que se opunham à agitação da mente, à instabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>atenções, à fragilida<strong>de</strong> diante <strong>de</strong> todos os acontecimentos que se po<strong>de</strong>riam produzir.Na capoeira, o corpo é o arquivo <strong>de</strong> memórias, <strong>de</strong>sejos, experiências, histórias, quesão acessadas e se materializam nos movimentos, golpes, que emergem no jogo.Nesse processo <strong>de</strong> escolha dos golpes, das formas <strong>de</strong> dialogar com o outro, <strong>de</strong>acionar os fundamentos, criar escapadas, acessar a energia da roda, o capoeiristaalcança certo isolamento em conexão com o todo, produz uma forma <strong>de</strong>concentração, atenção, conhecimento <strong>de</strong> si que também se opõe à dispersão damente, à fragilida<strong>de</strong> diante dos acontecimentos que se po<strong>de</strong>m produzir. Pepinharelata que a capoeira “ensina a gente ter confiança na gente em último momento,porque chega uma hora é só você e Deus” (PROFESSOR PEPINHA) 64 .62 Informação verbal obtida em entrevista realizada em 04/03/2006.63 Livro <strong>de</strong> anotações utilizado na cultura grego-romana, que constituía “uma memória material dascoisas lidas, ouvidas ou pensadas”. Continham anotações <strong>de</strong> fragmentos <strong>de</strong> obras, narrativas <strong>de</strong>fatos vividos, reflexões e pensamentos (FOUCAULT, 2004, p.147).64 Informação verbal obtida em entrevista realizada em 12/04/2006.
112Jorginho Escorpião, em seu <strong>de</strong>poimento, acrescentou que esse processo <strong>de</strong>centramento po<strong>de</strong> ocorrer também por meio da musicalida<strong>de</strong>, da conexão com oritmo. Ele afirma:Às vezes, um pouquinho que eu esteja nervoso, eu procuro pegar umberimbau a cantar uma música, pegar um atabaque. Então, esse tipo <strong>de</strong>ritmo vibra juntamente com a pulsação da gente, e a gente procuraesquecer, procura se libertar e <strong>de</strong>ixar a mente mais limpa(CONTRAMESTRE JORGINHO ESCORPIÃO) 65Na capoeiragem, o processo <strong>de</strong> centramento é inerente ao jogo, produçãocontínua, objetivo permanente. Cotejamos a produção do centramento nacapoeiragem à conversão a si na arte da existência. De acordo com Foucault (1985),a conversão a si, que era um objetivo comum das práticas <strong>de</strong> si, <strong>de</strong>ve sercompreendida como modificação da ativida<strong>de</strong> para consagrar-se inteiramente a si.Implica um <strong>de</strong>slocamento do olhar: é preciso que não se disperse em umacuriosida<strong>de</strong> ociosa com as agitações da vida cotidiana. Por meio da conversão a si,torna-se possível escapar das <strong>de</strong>pendências e das sujeições, buscando odistanciamento das preocupações com o exterior, enten<strong>de</strong>ndo que só se <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><strong>de</strong> si mesmo. Na roda <strong>de</strong> capoeira, quando naquele cenário “eu sou o únicoresponsável por mim, eu sou o único interprete <strong>de</strong> mim, eu sou o único protetor <strong>de</strong>mim mesmo” (MESTRE REGINALDO VÉIO) 66 , emerge um processo similar àconversão a si, forma <strong>de</strong> pertencer a si mesmo, em um processo no qual “é-se ‘suijuris’, nada limita nem ameaça o po<strong>de</strong>r que se tem sobre si” (FOUCAULT, 2004,p.70). A experiência <strong>de</strong> si que se constitui nessa posse não é <strong>de</strong> uma forçadominada, mas “a <strong>de</strong> um prazer que se tem consigo mesmo” (FOUCAULT, 1985,p.70). Através do acesso a si próprio, torna-se para si um objeto <strong>de</strong> prazer: contentasecom o que se é, aceita-se os próprios limites, mas também se <strong>de</strong>leita consigomesmo.Na roda <strong>de</strong> capoeira, os movimentos exigem <strong>de</strong>streza corporal e força física.Todavia, durante o jogo, cada capoeirista parece encontrar um ponto <strong>de</strong> equilíbrioem seu próprio corpo e, apesar dos movimentos inusitados, do esforço físico, o quese observa, na maioria das vezes, é uma expressão <strong>de</strong> pura alegria, “aquela cara <strong>de</strong>máxima felicida<strong>de</strong>” (PROFESSOR PEPINHA) 67 . Muniz Sodré enfatiza a importância65 Informação verbal obtida em entrevista realizada em 16/06/2006.66 Informação verbal obtida em entrevista realizada em 04/03/2006.67 Informação verbal obtida em entrevista realizada em 12/04/2006.
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