37polícia, ao jogo do bicho, aos operários e não servia a ninguém. Eramediante a perspectiva republicana um mero <strong>de</strong>jeto social (MELO, 2001,p.186).Nessa elaboração, observamos o caráter difuso e híbrido da prática dacapoeiragem: com grupos heterogêneos, ela não se prendia a nenhum partidopolítico, instituição ou i<strong>de</strong>ologia e mantinha-se à margem do sistema, nãoenquadrada à or<strong>de</strong>m e às regras instituídas. Assim, os capoeiras tornaram-se oprincipal alvo da policia nos primeiros tempos da República, processo que culminoucom a criminalização da capoeira em 1890 (REIS, 1997). Contudo, essacriminalização e a severa repressão policial não extinguiram a experiência dacapoeira. Na opinião <strong>de</strong> mestre Reginaldo Véio,Essa realida<strong>de</strong> histórica potencializou muito as possibilida<strong>de</strong>s da capoeira, aponto <strong>de</strong> ela ganhar um status <strong>de</strong> um instrumento <strong>de</strong>stacado, teorizado eelaborado <strong>de</strong>ntro do Código Penal, <strong>de</strong>finindo punições para utilização <strong>de</strong>la.Quero dizer, chegou uma hora em que a capoeira virou um pólo <strong>de</strong>referência <strong>de</strong> resistência, <strong>de</strong> luta nesse sentido mais amplo, que incomodouo próprio Estado. Nesse momento ela ganha uma expressão política. (...)Quando o po<strong>de</strong>r se coloca diante <strong>de</strong> uma manifestação popular, simples,alegre, festeira, se posta diante <strong>de</strong>la e elabora códigos para resistir, a gentejá inverteu a lógica <strong>de</strong> quem resiste e quem se impõe. É a capoeira maisuma vez subvertendo as coisas. Essa dimensão política potencializada abrehorizonte na história para a capoeira se colocar (MESTRE REGINALDOVÉIO) 11 .Observamos, com o <strong>de</strong>poimento do mestre, que a capoeira alcançou força nocontexto social e constituiu-se em um ethos guerreiro com gran<strong>de</strong> potência, a ponto<strong>de</strong> passar a figurar no Código Penal, o que <strong>de</strong>monstra que o Estado precisou criarcodificações para se contrapor a essa força. Na elaboração do mestre, <strong>de</strong>stacamosdois aspectos em relação ao intrincamento entre po<strong>de</strong>r e resistência na experiênciada capoeira. Primeiramente, buscamos compreen<strong>de</strong>r como a criminalização seconverteu em novos horizontes para a capoeira. Enten<strong>de</strong>mos que, diante <strong>de</strong>ssenovo contexto, a prática da capoeiragem <strong>de</strong>mandou mais camuflagens, espertezas eartimanhas, nova forma <strong>de</strong> articulação dos grupos e criação <strong>de</strong> novos códigos como,por exemplo, o Toque <strong>de</strong> Cavalaria: quando a capoeiragem acontecia, nas ruas epraças das cida<strong>de</strong>s, um dos capoeiristas ficava <strong>de</strong> tocaia, com a atribuição <strong>de</strong>sinalizar, através <strong>de</strong> um toque <strong>de</strong> berimbau diferenciado, quando a polícia estavachegando. Ao ouvi-lo, os capoeiristas dispersavam-se e escapavam <strong>de</strong> ser presos.11 Informação verbal, obtida em entrevista realizada em 04/03/2006.
38Todavia, Nestor <strong>Capoeira</strong> (1998) enfatiza que as transformações na práticada capoeira não emergem apenas como disfarce mediante a repressão policial, mastambém como luta no sentido mais amplo: uma estratégia social multifacetada, quearticula a utilização <strong>de</strong> formas violentas <strong>de</strong> contestação, a solidarieda<strong>de</strong> grupal e “umrefinado modo irônico <strong>de</strong> lidar com as agruras da vida” (ABIB, 2004, p.95).Diante <strong>de</strong>ssa experiência, o Estado elabora códigos para governar. Essescódigos não se limitam à criminalização, mesmo porque a inserção no código penalnão impediu que a capoeiragem continuasse a acontecer nos espaços da cida<strong>de</strong>.Aqui conectamos o segundo aspecto a partir do <strong>de</strong>poimento do mestre Véio: amudança na forma como o Estado se posiciona diante da capoeira. O mestre, aodizer da capoeira, enfatizou a dimensão alegre, festeira presente nessa experiência.Essa dimensão lúdica o código penal não conseguiria conter.3.3. A vadiação: escapada das técnicas disciplinares.Em cada freguesia um africano com uma responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensinar, parafazer <strong>de</strong>la sua arma contra seu perseguidor, (...) se comunicavam noscantos improvisados, dançava e cantava enredos, inventava truques,piculas, para dar volta no corpo, escon<strong>de</strong>ndo chicote, inventando miséria, ocorpo todo faz miserêr, cabeça, mão, pernas, e só consegue com manhas(MESTRE PASTINHA apud DECÂNIO, 1996, p.44).A vadiação é o termo utilizado pelos capoeiristas para <strong>de</strong>signar a prática dacapoeiragem na qual predomina a ludicida<strong>de</strong>, a brinca<strong>de</strong>ira, a alegria <strong>de</strong>experimentar o corpo com liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> movimento em conexão com o ritmo, com orito, com outros corpos ou, conforme mestre Reginaldo Véio, em uma manifestaçãofesteira. Sodré (1988) <strong>de</strong>staca que a festa, no universo das culturas negras,<strong>de</strong>stinava-se à renovação das forças, pois a dança, o ritmo e o rito que acaracterizam territorializam o corpo do indivíduo, realimentando a força cósmica. Navisão <strong>de</strong> Cruz (1996) os capoeiristas, por meio da festa, da luta e da dança, ampliamsua potência e alcançam maior po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> realização. A intensificação da vadiação nacapoeiragem sinaliza a diferença na emergência da resistência. Essa transformaçãona forma <strong>de</strong> resistência remete a mudanças na forma <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.No processo <strong>de</strong> transformações econômicas e políticas, atravessadas pori<strong>de</strong>ologias liberais mo<strong>de</strong>rnas, lutas abolicionistas, revoltas e fugas negras,
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