59envolve todo mundo. Envolve pra montar a bateria, pra cantar junto, e elafaz com que os meninos se socializem mais entre eles (MADRINHAFLOR) 25 .O acontecimento da capoeira na escola funcionou como catalisador <strong>de</strong>acontecimentos que emergiam na sala <strong>de</strong> aula, no pátio, na comunida<strong>de</strong>, em outrasescolas da cida<strong>de</strong>. Todavia, as diferenças produzidas com a capoeira na escolatambém traziam <strong>de</strong>safios. Havia um preconceito gran<strong>de</strong>, pois muitas pessoas aindaviam a capoeira como coisa <strong>de</strong> malandro, e existia um preconceito com o própriogrupo da Lenço <strong>de</strong> Seda em Timóteo: “tinha colegas <strong>de</strong> trabalho que falavam assim:olha Flor, seus cabeludos estão chegando. Eles tinham muito a característica <strong>de</strong>hippie. Então era muito estranho” (MADRINHA FLOR) 26 .Além do <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> driblar o preconceito, <strong>de</strong>paramo-nos com o perigo <strong>de</strong> que,praticada no espaço escolar, a capoeira per<strong>de</strong>sse sua flui<strong>de</strong>z, sua forma singular <strong>de</strong>organização do tempo e espaço, mediante enquadramentos <strong>de</strong> horários, filas,classes, séries. Porém, mesmo diante <strong>de</strong> tais <strong>de</strong>safios, o que ganhou força noencontro capoeira-escola, na experiência da Lenço <strong>de</strong> Seda, foram astransformações no contexto escolar. Surgiram diferenças no comportamento dosalunos, na maneira <strong>de</strong> se relacionar com os colegas e com o processo <strong>de</strong>aprendizagem. Flor relata:Eu vou pegar um pouco o Jean, porque o Jean é referência. O Jean era ummenino que me dava muito trabalho, falava, falava, falava e não fazia muitacoisa. De repente, ele ficou um menino que participava. Ele tinha uma letraque eu não conseguia i<strong>de</strong>ntificar, a letra <strong>de</strong>le passou a ser legível, sem serletra bordada, uma letra <strong>de</strong> fácil compreensão. Ele ficou um menino muitointeressado com tudo. O Gil pela mesma forma. Porém, com o Gil eu já nãotinha dificulda<strong>de</strong> para ele estar envolvido no processo da sala, porque o Gilera bom nisso. Mas o Gil também, ele já foi sobressaindo, como foi o Itamar,como foi o Osmar... parece que eles sentiram assim: “eu posso algumacoisa”. Eles já estavam ali, a maioria com nove, <strong>de</strong>z anos; tinha meninos até<strong>de</strong> 14 anos na segunda série. E eles se sentiram assim: “não é que eu douconta <strong>de</strong> alguma coisa?” (MADRINHA FLOR) 27 .Po<strong>de</strong>mos dizer que as crianças que compunham o grupo <strong>de</strong> capoeira naescola eram “pessoas-margens”, que não entram nas normas dominantes e sãovítimas <strong>de</strong> segregação, com tendência a ser cada vez mais controladas,classificadas (GUATTARI; ROLNIK, 2005, p. 143). De acordo com faixa a etária dosalunos <strong>de</strong>scritos por Flor, observamos que esses estavam repetindo a segunda série25 Informação verbal, obtida em entrevista realizada em 28/09/2006..26 Informação verbal, obtida em entrevista realizada em 28/09/2006.27 Informação verbal, obtida em entrevista realizada em 28/09/2006.
60há algum tempo, pois, naquele contexto, a ida<strong>de</strong> regular para esta série era oitoanos. A presença <strong>de</strong> crianças <strong>de</strong> <strong>de</strong>z e até quatorze anos nessa série remete a umprocesso <strong>de</strong> paralisação no âmbito da escola. Repetição <strong>de</strong> repetências, quesinalizam a uma estagnação dos fluxos <strong>de</strong> aprendizagem escolar. Para Deleuze,Apren<strong>de</strong>r vem a ser tão somente o intermediário entre não-saber e saber, apassagem viva <strong>de</strong> um ao outro. Po<strong>de</strong>-se dizer que apren<strong>de</strong>r, afinal <strong>de</strong>contas é uma tarefa infinita, mas esta não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser rejeitada para o ladodas circunstâncias e da aquisição, posta para fora da essênciasupostamente simples do saber como inatismo, elemento a priori ou mesmoidéia reguladora (DELEUZE, 2000, p.271).Na circunstância escolar vivida pelos alunos <strong>de</strong> Flor, eles eramestigmatizados como incapazes <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r ou <strong>de</strong> adquirir conhecimentos, pois aaprendizagem estava relacionada à regulação, à progressão nas séries, não aomovimento <strong>de</strong> transformação das ações e pensamentos. A partir da capoeira, entraem cena um universo diferente: as crianças começaram a experimentar práticas nasquais eram capazes <strong>de</strong> realizar a passagem viva do não-saber ao saber, e torna-sepossível algo mais que ser repetente. Esse movimento <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou transformaçõesno processo <strong>de</strong> aprendizagem, na forma <strong>de</strong> lidar com o conhecimento e com asrelações estabelecidas na sala <strong>de</strong> aula, conforme os exemplos citados por Flor emseu <strong>de</strong>poimento. Crianças passaram a acreditar em sua potência <strong>de</strong> criação, <strong>de</strong>aprendizagem, no po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> fazer “alguma coisa”, abrir espaços <strong>de</strong> diferença.Começaram a surgir meninos <strong>de</strong>monstrando li<strong>de</strong>rança. Essa li<strong>de</strong>rança, queentrou em cena e ganhou força a partir da capoeiragem, extrapolou os momentos daaula <strong>de</strong> capoeira, alcançou outras turmas e séries. No pátio, na hora do recreio,in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da presença do professor <strong>de</strong> capoeira, os alunos organizavam rodas,jogavam, cantavam. Com ou sem os instrumentos necessários, a música e a rodaaconteciam e crianças <strong>de</strong> todas as séries participavam daquela irrupção <strong>de</strong> alegria.Para Flor, a capoeira <strong>de</strong>ntro da escola é uma prática “pra dar prazer, pra <strong>de</strong>ixarmenino alegre, pra ter um movimento” (MADRINHA FLOR) 28 .O movimento transbordou o tempo escolar. Começaram a acontecer aulas<strong>de</strong> capoeira aos sábados, para mães <strong>de</strong> alunos e pessoas da comunida<strong>de</strong> quequisessem participar. Os alunos participavam <strong>de</strong> eventos, excursões e rodas <strong>de</strong>capoeira que o grupo Pasárgada e a Lenço <strong>de</strong> Seda faziam, em outros bairros e emcida<strong>de</strong>s circunvizinhas. Essas crianças, que formaram o primeiro grupo <strong>de</strong> capoeira28 Informação verbal, obtida em entrevista realizada em 28/09/2006.
- Page 6 and 7:
AGRADECIMENTOSIêQuando eu aqui che
- Page 8 and 9:
ABSTRACTThis paper presents a study
- Page 10 and 11: 6. CAPOEIRA ANGOLA: TRADIÇÃO E CR
- Page 13 and 14: 12julgamento de valor e determina q
- Page 15: 14coisa de que se sai transformado,
- Page 18 and 19: 17pelo mestre Reginaldo Véio 3 e s
- Page 20 and 21: 192. O MÉTODOÔ menino aprenda a l
- Page 22 and 23: 21pesquisadora que se lança na exp
- Page 24 and 25: 23significados são construídos e
- Page 26 and 27: 25De acordo com Meier e Kudlowiez (
- Page 28 and 29: 273. A CAPOEIRA NO BRASIL: ARTICULA
- Page 30 and 31: 29Entendemos que investigar o adven
- Page 32 and 33: 31No escravismo, os senhores - colo
- Page 34 and 35: 33socialização, emergiu uma cultu
- Page 36 and 37: 35eram identificados por cores, sin
- Page 38 and 39: 37polícia, ao jogo do bicho, aos o
- Page 40 and 41: 39manifestações dos artistas e in
- Page 42 and 43: 41“vadiação” é um termo chei
- Page 44 and 45: 43registrar seu Centro de Cultura F
- Page 46 and 47: 45musicalidade e o jogo, articulado
- Page 48 and 49: 47O estado de dominação estava co
- Page 50 and 51: 49a alta periculosidade, os baixos
- Page 52 and 53: 51conhecimento dos fundamentos dess
- Page 54 and 55: 53políticos e agentes de transform
- Page 56 and 57: 55De acordo com Rodrigues (2002), u
- Page 58 and 59: 57contemporânea, pois essa estrutu
- Page 62 and 63: 61da Escola Estadual Capitão Egíd
- Page 64 and 65: 63grandes proporções, chegando a
- Page 66 and 67: 65Nas imagens, vemos crianças banh
- Page 68 and 69: 675. A CAPOEIRAGEM EM TEMPOS DE MOD
- Page 70 and 71: 69pessoal e o bem-estar da comunida
- Page 72 and 73: 71Entendemos, portanto, que, nas re
- Page 74 and 75: 73principalmente no que diz respeit
- Page 76 and 77: 75consumo se tornaram mais intensos
- Page 78 and 79: 77Os movimentos sociais conquistara
- Page 80 and 81: 79atabaque, que vai dar sustentaç
- Page 82 and 83: 81produz, simultaneamente, prática
- Page 84 and 85: 835.3. O corpo: das modelizações
- Page 86 and 87: 85capaz. Maquinações corporais,
- Page 88 and 89: 87O processo de desenvolvimento e a
- Page 90 and 91: 89(...) a prática desta ciência,
- Page 92 and 93: 91positividade, para potencializar
- Page 94 and 95: 93unicidade. Rupturas de sentido, c
- Page 96 and 97: 95Hoje, o berimbau é considerado o
- Page 98 and 99: 97Ao pai que nos criouAbençoe essa
- Page 100 and 101: 99Ainda com os corridos, os capoeir
- Page 102 and 103: 101relata um acontecimento que expr
- Page 104 and 105: 103cada pessoa que compõe a roda.
- Page 106 and 107: 105resposta mínima, onde pensament
- Page 108 and 109: 1076.3. A produção da malícia e
- Page 110 and 111:
109Pepinha fala dessa construção
- Page 112 and 113:
111a ser o protagonista de si mesmo
- Page 114 and 115:
113dos ritmos e da dança na diásp
- Page 116 and 117:
115se estabelecem no plano macro da
- Page 118 and 119:
117quer de modo mais coletivo)” (
- Page 120 and 121:
119compõe a capoeiragem. Em nosso
- Page 122 and 123:
121o respeito à linhagem de mestre
- Page 124 and 125:
123uma malta rival. Na contemporane
- Page 126 and 127:
125No cruzamento dos diferentes asp
- Page 128 and 129:
127Foucault (1986) o poder não é
- Page 130 and 131:
129por associarem a capoeira ao pec
- Page 132 and 133:
131diversos. Suas apresentações l
- Page 134 and 135:
133coloca-se continuamente à prova
- Page 136 and 137:
135microscópico, o qual, no entant
- Page 138 and 139:
137REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASACES
- Page 140 and 141:
139GALEANO, Eduardo. As palavras an
- Page 142:
141REIS, Letícia Vidor de Sousa. O