133coloca-se continuamente à prova <strong>de</strong> si mesmo, acessando um processo <strong>de</strong>conhecimento <strong>de</strong> si e transformação contínua, que produz singularida<strong>de</strong> nas formas<strong>de</strong> ser e viver, em um exercício <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>. De acordo com Pepinha,A capoeira não tem como não ser um movimento <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, (...) Na rodavocê tá apren<strong>de</strong>ndo - e brincando - como é que se liberta <strong>de</strong>sse sistema. Alié lugar disso, por que ali você equilibra o mais forte com o mais fraco e todomundo mostra a sua beleza, botando as coisas nos lugares. Mas a genteequilibra isso ali <strong>de</strong>ntro... Ali você consegue cuidar da energia da roda. Édifícil, você com a bateria, mudar a energia do mundo... uai, só Jesus Cristo(risos). (...) Com certeza você reproduz isso na roda gran<strong>de</strong> da vida: vocênão vai tomar rasteira <strong>de</strong> <strong>de</strong>scuidado... enten<strong>de</strong> como é que é o negócio?(PROFESSOR PEPINHA) 88A capoeira produz um movimento <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, pois, no jogo <strong>de</strong> relaçõesestratégicas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que se engendra na roda, há um processo <strong>de</strong> equilíbrio <strong>de</strong>forças e cada um tem a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se <strong>de</strong>stacar, mostrar sua beleza, criarnovas formas <strong>de</strong> escapar. Com a experiência <strong>de</strong>sse equilíbrio <strong>de</strong> forças e <strong>de</strong> energiana roda, o capoeirista, à medida que conquista a malícia, alcança um centramento,uma forma <strong>de</strong> pertencimento a si, <strong>de</strong> maneira que o po<strong>de</strong>r que se tem sobre simesmo se intensifica. A experiência da capoeira funciona como catalisador para queo capoeirista possa se conhecer, se transformar e alcançar certo modo <strong>de</strong> ser, umaforma singular <strong>de</strong> lidar com a vida. Emerge um processo <strong>de</strong> similar à conversão a si,a produção <strong>de</strong> um modo <strong>de</strong> ser que escapa a <strong>de</strong>pendências e sujeições.Consi<strong>de</strong>ramos que o processo <strong>de</strong> conquista da malícia na <strong>Capoeira</strong> <strong>Angola</strong>tem diversos pontos <strong>de</strong> similarida<strong>de</strong> com as artes da existência vivenciadas nomundo greco-romano. A produção da malícia é uma prática infinita, um processoque potencializa o conhecimento <strong>de</strong> si para se transformar continuamente,engendrando singularida<strong>de</strong>. Essa produção não é uma experiência individual, masconstituída na relação com o outro, em um processo eminentemente coletivo. Namedida em que são alcançados maiores níveis na conquista da malícia, acentua-seo compromisso <strong>de</strong> orientar e acompanhar novos capoeiristas nesse percurso, o quepropicia a invenção, tanto no âmbito individual quanto coletivo. Como nas artes daexistência, também na capoeiragem há articulações com a política. Na experiênciada Associação <strong>de</strong> <strong>Capoeira</strong> Lenço <strong>de</strong> Seda, observamos a emergência <strong>de</strong>intervenções micropolíticas em Timóteo, com a irrupção <strong>de</strong> acontecimentos queproduzem diferenças na vida <strong>de</strong>ssa cida<strong>de</strong>.88 Informação verbal obtida em entrevista realizada em 12/04/2006
134Os acontecimentos que emergem hoje articulados à capoeiragem em Timóteosão diferentes daqueles produzidos nas décadas <strong>de</strong> 80 e 90, principalmente emrelação à sua abrangência, pois não abarcam gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> pessoas, comofazia, por exemplo, a Festa das Crianças que chegou a ter a participação <strong>de</strong>aproximadamente 12 mil pessoas. Contemporaneamente os acontecimentos sãopontuais e menores, mas nem por isso menos potentes: tal como antes, emergemem campos <strong>de</strong> <strong>de</strong>smultiplicação causal, com rompimento das evidências em umprocesso <strong>de</strong> produção coletiva que produz abertura <strong>de</strong> novas possibilida<strong>de</strong>s. Asresistências continuam a pulular nos recantos vazios, seja no contexto das escolas,do grupo ou da cida<strong>de</strong>.Durante o período <strong>de</strong> nossa pesquisa foi possível presenciar e participar <strong>de</strong>alguns <strong>de</strong>sses acontecimentos, como o Encontro <strong>de</strong> Pesquisadores e o Projeto <strong>de</strong>Recuperação e Conservação <strong>de</strong> Acervo Histórico da Associação, financiado peloFundo Estadual <strong>de</strong> Cultura. Ambos funcionaram no grupo como catalisador <strong>de</strong> novasintervenções na comunida<strong>de</strong>. Tomando como exemplo o Projeto <strong>de</strong> Recuperação eConservação <strong>de</strong> Acervo Histórico, po<strong>de</strong>mos observar que, para sua implementação,foi ativado o processo <strong>de</strong> criação coletiva para organizar os documentos do grupo,coletar novos documentos e relatos das pessoas da comunida<strong>de</strong>. Os capoeiristas daLenço <strong>de</strong> Seda organizaram e realizaram um encontro com convidados <strong>de</strong> diferentessegmentos, para discutir a importância da recuperação <strong>de</strong>sse acervo para a cida<strong>de</strong>.Novas conexões começaram a se produzir: com professores do curso <strong>de</strong> História docentro universitário local, com representantes <strong>de</strong> alguns movimentos sociais,educadores e outros.Assim, inicia-se um novo processo <strong>de</strong> intervenção sócio-política, que tem nacapoeiragem um vetor <strong>de</strong> criação coletiva, nos quais emergem diferentes formas <strong>de</strong>análise e ação, cujos acontecimentos futuros não po<strong>de</strong>mos prever. Tais processosfuncionam com um tipo <strong>de</strong> auto-gestão, organização sem um ponto central paradispor os elementos ou esquadrinhar as ações, ao contrário: possibilitandodiferentes conexões com <strong>de</strong>sdobramentos rizomáticos. (GUATTARI; ROLNIK, 2005)Ressaltamos que é impossível mensurar o efeito <strong>de</strong>sses acontecimentos queemergem com a experiência da capoeira contemporânea da Lenço <strong>de</strong> Seda nacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Timóteo, nem é esse nosso intuito. Contudo, enten<strong>de</strong>mos que eles po<strong>de</strong>mfuncionar como “uma pedra minúscula que provoca no pára-brisa um impacto
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