273. A <strong>CAPOEIRA</strong> NO BRASIL: ARTICULAÇÕES DE PODER E DE LIBERDADENAS RODAS E NA VIDA3.1. A proveniência <strong>de</strong> uma tradiçãoLá on<strong>de</strong> a alma preten<strong>de</strong> se unificar, lá on<strong>de</strong> o Eu inventa para si umai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ou coerência, o genealogista parte em busca do começo – doscomeços enumeráveis que <strong>de</strong>ixam esta suspeita <strong>de</strong> cor, esta marca quaseapagada que não saberia enganar um olho, por pouco histórico que seja; aanálise da proveniência permite dissociar o Eu e fazer pulular nos lugares erecantos <strong>de</strong> sua síntese vazia, mil acontecimentos agora perdidos(FOUCAULT, 1986, p.20).É comum, no universo da capoeiragem, a discussão sobre a origem dacapoeira. Alguns afirmam que ela veio da África, outros, que é uma experiênciaproduzida em terras brasileiras. Contudo, quando nos propomos a discorrer sobre agênese da capoeira, não buscamos um ponto original, mas investigar como essaexperiência se engendrou, como se formou a teia que gerou a capoeiragem: osinumeráveis começos no processo <strong>de</strong> sua produção, as marcas singulares, asdispersões, as conexões <strong>de</strong> diferentes universos que se entrecruzaram epropiciaram o advento <strong>de</strong>ssa prática no contexto brasileiro - enfim, sua proveniência(FOUCAULT, 1986).Rego (1968) aponta a dificulda<strong>de</strong> em se afirmar a origem da capoeira, poisexistem poucos registros sobre a data da chegada ou sobre a procedência dosnegros que aqui aportavam como escravos. Segundo o autor, há historiadoresafricanistas com tendência a consi<strong>de</strong>rar que os primeiros negros aportados emterras brasileiras seriam <strong>de</strong> <strong>Angola</strong>. Nas cantigas, nos toques, nos movimentos enas histórias da capoeira, é comum a referência à capoeira <strong>de</strong> <strong>Angola</strong>, assim comoa associação <strong>de</strong> sua origem às danças-rituais do sudoeste da África. A partir <strong>de</strong>ssasinformações, po<strong>de</strong>ríamos crer que a capoeira teve sua origem no continenteafricano. Esse discurso é corrente no universo da <strong>Capoeira</strong> <strong>Angola</strong>, assim como naselaborações <strong>de</strong> pesquisadores que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m uma africanização <strong>de</strong>ssa experiência.Contudo, uma pesquisa sobre a proveniência da capoeira incita-nos a buscar aheterogeneida<strong>de</strong> do que se imaginava o único elemento fundante.
28Abib (2004) sinaliza traços <strong>de</strong> singularida<strong>de</strong> no surgimento da capoeira,quando diz que ela brotou espontaneamente, <strong>de</strong> forma heterogênea, em diferenteslocais do Brasil. Aponta que é importante consi<strong>de</strong>rar a existência <strong>de</strong> outrasmanifestações semelhantes à capoeira tal como a conhecemos em nosso país nãosó na África, mas também em vários pontos da América. Ressalta que “(...) nãopo<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar o processo híbrido que caracterizou a formação dasmanifestações afro-brasileiras e mesmo as afro-americanas” (ABIB, 2004, p.87).Em relação aos povos africanos que chegavam ao Brasil no período daescravidão, Rego acrescenta que, “além da sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imaginação,buscavam os negros elementos <strong>de</strong> outros folguedos e <strong>de</strong> coisas outras doquotidiano para inventarem novos folguedos, como teria sido o caso da capoeira”(REGO, 1968, p.32). Mestre Reginaldo Véio, ao discorrer sobre o surgimento dacapoeira, apresenta alguns dos elementos, ou “coisas outras do cotidiano” que searticularam na produção <strong>de</strong>sse “novo folguedo”:O surgimento da capoeira, eu vejo também <strong>de</strong> uma maneira diferente, claroque não foi uma coisa intencional, foi mais uma coisa que resultou dasconjunturas ali do momento... ninguém se propôs a criar uma luta. E aquiloveio <strong>de</strong> que maneira então? Veio da lembrança dos animais da África, veiodas lembranças das danças primitivas, veio da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inventarbrinca<strong>de</strong>iras pras crianças, pros adolescentes, dar pra eles ativida<strong>de</strong> lúdica,<strong>de</strong> prazer (...). Então, ali se foram cruzando, inclusive, elementos do branco,elementos do índio, que aci<strong>de</strong>ntalmente transitavam ali <strong>de</strong>ntro. (...) Dentro<strong>de</strong>sse contexto vai resultando - eu imagino - uma coreografia que respondiaàquele contexto todo (...). É um momento muito rico, um fervedouro, umapanela quente fervendo cultura (MESTRE REGINALDO VÉIO) 7A partir da história contada pelo mestre, observamos que a capoeira é umaprática intrincada aos diversos aspectos que atravessam a vida, que traz em sielementos da cultura africana e incorpora outros, próprios <strong>de</strong> uma experiênciavivenciada no contexto brasileiro, com entrelaçamentos heterogêneos <strong>de</strong> diferentesgrupos, culturas, saberes, <strong>de</strong>sejos. Uma acontecimentalização que, <strong>de</strong> acordo comFoucault (2004), emerge através <strong>de</strong> conexões complexas, com processos históricosmúltiplos, produzindo ruptura das evidências:(...) on<strong>de</strong> se estaria bastante tentado a se referir a uma constante histórica,ou a um traço antropológico imediato, ou ainda a uma evidência se impondoda mesma maneira para todos, trata-se <strong>de</strong> fazer surgir uma singularida<strong>de</strong>(FOUCAULT, 2004, p. 339).7 Informação verbal, obtida em entrevista realizada em 04/03/2006.
- Page 6 and 7: AGRADECIMENTOSIêQuando eu aqui che
- Page 8 and 9: ABSTRACTThis paper presents a study
- Page 10 and 11: 6. CAPOEIRA ANGOLA: TRADIÇÃO E CR
- Page 13 and 14: 12julgamento de valor e determina q
- Page 15: 14coisa de que se sai transformado,
- Page 18 and 19: 17pelo mestre Reginaldo Véio 3 e s
- Page 20 and 21: 192. O MÉTODOÔ menino aprenda a l
- Page 22 and 23: 21pesquisadora que se lança na exp
- Page 24 and 25: 23significados são construídos e
- Page 26 and 27: 25De acordo com Meier e Kudlowiez (
- Page 30 and 31: 29Entendemos que investigar o adven
- Page 32 and 33: 31No escravismo, os senhores - colo
- Page 34 and 35: 33socialização, emergiu uma cultu
- Page 36 and 37: 35eram identificados por cores, sin
- Page 38 and 39: 37polícia, ao jogo do bicho, aos o
- Page 40 and 41: 39manifestações dos artistas e in
- Page 42 and 43: 41“vadiação” é um termo chei
- Page 44 and 45: 43registrar seu Centro de Cultura F
- Page 46 and 47: 45musicalidade e o jogo, articulado
- Page 48 and 49: 47O estado de dominação estava co
- Page 50 and 51: 49a alta periculosidade, os baixos
- Page 52 and 53: 51conhecimento dos fundamentos dess
- Page 54 and 55: 53políticos e agentes de transform
- Page 56 and 57: 55De acordo com Rodrigues (2002), u
- Page 58 and 59: 57contemporânea, pois essa estrutu
- Page 60 and 61: 59envolve todo mundo. Envolve pra m
- Page 62 and 63: 61da Escola Estadual Capitão Egíd
- Page 64 and 65: 63grandes proporções, chegando a
- Page 66 and 67: 65Nas imagens, vemos crianças banh
- Page 68 and 69: 675. A CAPOEIRAGEM EM TEMPOS DE MOD
- Page 70 and 71: 69pessoal e o bem-estar da comunida
- Page 72 and 73: 71Entendemos, portanto, que, nas re
- Page 74 and 75: 73principalmente no que diz respeit
- Page 76 and 77: 75consumo se tornaram mais intensos
- Page 78 and 79:
77Os movimentos sociais conquistara
- Page 80 and 81:
79atabaque, que vai dar sustentaç
- Page 82 and 83:
81produz, simultaneamente, prática
- Page 84 and 85:
835.3. O corpo: das modelizações
- Page 86 and 87:
85capaz. Maquinações corporais,
- Page 88 and 89:
87O processo de desenvolvimento e a
- Page 90 and 91:
89(...) a prática desta ciência,
- Page 92 and 93:
91positividade, para potencializar
- Page 94 and 95:
93unicidade. Rupturas de sentido, c
- Page 96 and 97:
95Hoje, o berimbau é considerado o
- Page 98 and 99:
97Ao pai que nos criouAbençoe essa
- Page 100 and 101:
99Ainda com os corridos, os capoeir
- Page 102 and 103:
101relata um acontecimento que expr
- Page 104 and 105:
103cada pessoa que compõe a roda.
- Page 106 and 107:
105resposta mínima, onde pensament
- Page 108 and 109:
1076.3. A produção da malícia e
- Page 110 and 111:
109Pepinha fala dessa construção
- Page 112 and 113:
111a ser o protagonista de si mesmo
- Page 114 and 115:
113dos ritmos e da dança na diásp
- Page 116 and 117:
115se estabelecem no plano macro da
- Page 118 and 119:
117quer de modo mais coletivo)” (
- Page 120 and 121:
119compõe a capoeiragem. Em nosso
- Page 122 and 123:
121o respeito à linhagem de mestre
- Page 124 and 125:
123uma malta rival. Na contemporane
- Page 126 and 127:
125No cruzamento dos diferentes asp
- Page 128 and 129:
127Foucault (1986) o poder não é
- Page 130 and 131:
129por associarem a capoeira ao pec
- Page 132 and 133:
131diversos. Suas apresentações l
- Page 134 and 135:
133coloca-se continuamente à prova
- Page 136 and 137:
135microscópico, o qual, no entant
- Page 138 and 139:
137REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASACES
- Page 140 and 141:
139GALEANO, Eduardo. As palavras an
- Page 142:
141REIS, Letícia Vidor de Sousa. O