81produz, simultaneamente, práticas <strong>de</strong> sujeição e autonomia, reprodução esingularida<strong>de</strong>.Em uma primeira aproximação dos fundamentos da capoeira, tomando suamanifestação mais perceptível e observável, percebemos processos <strong>de</strong> sujeiçãodiante <strong>de</strong> um código próprio, nos movimentos e rituais que <strong>de</strong>vem ser respeitados erepetidos, nas relações hierárquicas fortemente marcadas. O respeito à hierarquia éfundamental para preservar a tradição, principalmente na <strong>Capoeira</strong> <strong>Angola</strong>: esten<strong>de</strong>seda relação mestre-discípulo para a relação professor-aluno e a relação entre oscapoeiristas. Durante a participação em um treino, presenciamos o discurso doinstrutor enfatizando a importância da disciplina na capoeira: assim como o instrutor<strong>de</strong>ve acatar as orientações do mestre, o aluno <strong>de</strong>ve respeitar e acatar asorientações do instrutor e cada capoeirista iniciante <strong>de</strong>ve respeitar aquele quepratica a capoeira há mais tempo, pois se pressupõe que esse já tenha alcançadomaior grau <strong>de</strong> conhecimento na arte da capoeiragem.Na roda <strong>de</strong> capoeira, po<strong>de</strong>mos tomar como prática <strong>de</strong> sujeição os códigos erituais que <strong>de</strong>vem ser observados e repetidos: aguardar o toque e a autorização domestre para iniciar o jogo, respeitar a interdição do berimbau gunga 36 , que, nasmãos do mestre, dita o ritmo do jogo e po<strong>de</strong> finalizá-lo quando necessário. Noentanto, nessa mesma roda são produzidas práticas <strong>de</strong> autonomia, exercícios <strong>de</strong>liberda<strong>de</strong>. Mestre Reginaldo Véio relata que, na roda, os próprios códigos dacapoeira são subvertidos, reinventados:Às vezes, ela quebra, inclusive, os próprios princípios que ela mesmapropõe como estruturantes. Por exemplo: quando eu estou jogandocapoeira, chega um dado momento que eu saio para uma “chamada”. Achamada <strong>de</strong> <strong>Angola</strong> é o momento em que eu paro para <strong>de</strong>scansar, para mereorganizar. A chamada nos chama. Quando eu faço o gesto da chamadaestou propondo um princípio, um fundamento: é o momento <strong>de</strong> fazer uminterregno. Acontece que, mesmo sendo esse um princípio fundamental, ooutro tem o direito <strong>de</strong> chegar perto <strong>de</strong> mim e me dar uma cabeçada norosto. Então, nós dois sabemos que o princípio é aquele, nós doispraticamos o princípio ali no teatro vivo da coisa, sem os princípios a coisanão funciona, mas é possível se reverter até os princípios, então ela éreinvenção o tempo todo (MESTRE REGINALDO VEIO) 37 .Durante o jogo, no diálogo dos corpos, o mais importante não é a repetição oua sujeição, mas a invenção, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> articular os códigos e movimentos36 Na composição da bateria na <strong>Capoeira</strong> <strong>Angola</strong> tem-se três berimbaus: o gunga, o médio e oviolinha. O berimbau gunga é o maior e <strong>de</strong>ve ser tocado pelo mestre ou pelo capoeirista <strong>de</strong> maiorgraduação <strong>de</strong>ntre os presentes na roda. O gunga, por sua vez, direciona e <strong>de</strong>marca o ritmo do jogo.37 Informação verbal obtida em entrevista realizada em 04/03/2006.
82aprendidos no treino e criar um jeito próprio <strong>de</strong> jogar, surpreen<strong>de</strong>r o contendor.Portando, os fundamentos da <strong>Capoeira</strong> <strong>Angola</strong> articulam reprodução esingularida<strong>de</strong>, sendo compostos no entrelaçamento <strong>de</strong> dimensões atualizadas evirtuais. Há uma cristalização em relação aos fundamentos, porém essesfundamentos possuem linhas moleculares, abrem fendas e escapadas, conectamcampos <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s, potências, fluxos que engendram a diferença. Rego(1968) observa que capoeiristas antigos e mo<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong>senvolvem uma maneirapessoal <strong>de</strong> praticar a capoeira, possuem um ou mais golpes ou toques inventadospor eles próprios, além do “(...) golpe pessoal que todo capoeira guarda consigopara ser usado no momento necessário” (REGO, 1968, p.33).Tal qual ocorre na prática da capoeira, há, em todas as experiênciashumanas, processos <strong>de</strong> sujeição e <strong>de</strong> libertação, possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> subjetivaçõessubmetidas e autônomas, pois on<strong>de</strong> há po<strong>de</strong>r há resistência, emergem experiênciasou circunstâncias nas quais predominam conexões e encontros que potencializamprocessos <strong>de</strong> criação, <strong>de</strong> invenção, <strong>de</strong> singularida<strong>de</strong>s, que escapam à lógicadominante em um exercício <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>.Foucault (2004) assinala que, na Antigüida<strong>de</strong>, no mundo greco-romano, aética constituía-se como prática <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, em torno do cuidado <strong>de</strong> si, da arte daexistência, como(...) práticas racionais e voluntárias pelas quais os homens não apenas<strong>de</strong>terminam para si regras <strong>de</strong> conduta, como também buscam transformarse,modificar-se em seu singular, e fazer <strong>de</strong> sua vida uma obra que sejaportadora <strong>de</strong> certos valores estéticos e que corresponda a certos critérios<strong>de</strong> estilo (FOUCAULT, 2004, p. 214).Dessa forma, a ética era pensada e vivenciada em conexão com processos<strong>de</strong> subjetivação singulares.A problematização que propomos é: diante da produção <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong>ssujeitadas à lógica capitalística, a experiência da capoeira po<strong>de</strong> ser uma nova forma<strong>de</strong> prática <strong>de</strong> si? Como essa ascese po<strong>de</strong> emergir ou se engendrar na capoeira?
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