127Foucault (1986) o po<strong>de</strong>r não é exercido apenas <strong>de</strong> modo negativo, por meio <strong>de</strong>impedimento ou exclusão, mas é também positivo, na medida em que produz efeitosem nível do <strong>de</strong>sejo, do saber, da ação. Tendo como pressuposto as elaboraçõesfoucaultianas, reiteramos que po<strong>de</strong>r e resistência compõem um mesmo universo <strong>de</strong>forças, que se atravessam e se conectam continuamente. Na visão <strong>de</strong> Guattari, nãohá contradição entre institucionalização e capacida<strong>de</strong> criadora (GUATTARI;ROLNIK, 2005).Mestre Reginaldo enfatiza que, nos últimos anos, a capoeira tem propiciadonovas possibilida<strong>de</strong>s ao capoeirista, permitindo, inclusive, maior mobilida<strong>de</strong> social:“tem muitos capoeiristas que seu exercício <strong>de</strong> cidadania maior, ou seja, suaoportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> social melhor, foi ter aprendido capoeira” 84 . A ladainhado Mestre Boca Rica diz <strong>de</strong>ssa mobilida<strong>de</strong>, da diferença que emerge em sua vida apartir do universo da capoeiragem:An<strong>de</strong>i o Brasil inteiroPassei na televisãoE sou um gran<strong>de</strong> mestreGran<strong>de</strong> cidadãoServente <strong>de</strong> pedreiroPor não ter a profissãoAgora sou um guerreiroTo sendo divulgado, ô meu bemAté lá no estrangeiro (MESTRE BOCA RICA, 2002).O mestre <strong>de</strong> capoeira alcança novos horizontes, diferentes daqueles queseriam possíveis ou previsíveis diante <strong>de</strong> sua condição social, muitas vezesmarginalizada, no contexto capitalístico <strong>de</strong> nosso tempo. Mestre Boca Rica, porexemplo, diz <strong>de</strong> seu valor maior como cidadão e do reconhecimento social, no Brasile no estrangeiro, alcançado por ser um gran<strong>de</strong> mestre na <strong>Capoeira</strong> <strong>Angola</strong>, inclusivecom momento <strong>de</strong> projeção na mídia televisiva. Destacamos que, apesar doreconhecimento do valor dos mestres <strong>de</strong> capoeira em diferentes contextos, isso nãosignifica ascensão financeira: muitos morreram na miséria, como, por exemplo,Mestre Pastinha.Na contemporaneida<strong>de</strong>, simultaneamente ao processo <strong>de</strong> maiorinstitucionalização na capoeiragem, surgem novas formas <strong>de</strong> profissionalização.Para Pepinha, os projetos culturais, nas escolas ou em parceria com instituições eempresas constituem formas <strong>de</strong> sobrevivência da capoeiragem contemporânea.84 Informação verbal obtida em entrevista realizada em 04/03/2006
128Segundo ele, a capoeira “precisa sobreviver do ponto <strong>de</strong> vista do capoeirista terremuneração pra po<strong>de</strong>r ensinar, pra po<strong>de</strong>r administrar suas aulas, mas ela tambémtem que cuidar muito pra não se <strong>de</strong>scaracterizar por causa disso” (PROFESSORPEPINHA) 85 .Em relação à profissionalização no universo da capoeira, uma tendência quese fortalece na contemporaneida<strong>de</strong> é sua inserção no contexto escolar. MadrinhaFlor <strong>de</strong>staca:Não tenho dúvida que a gente não vai formar capoeirista com aula só naaca<strong>de</strong>mia. [...] A gente vai formar capoeirista se for pra <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> escolapública. [...] eu acho que a malandragem está é lá, na periferia. O meninotem que ser malandro pra ser bom capoeira. Uma malandragem positiva,que é o gosto <strong>de</strong> estar numa roda <strong>de</strong> capoeira, o gosto <strong>de</strong> tocar uminstrumento, é o gosto <strong>de</strong> fazer um jogo bonito. Acho que o menino daclasse popular, ele é mais solto pra isso. Ele é <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> coisas pré<strong>de</strong>terminadas.Ele é muito ele. Tem mais a malandragem (MADRINHAFLOR).Na experiência da Lenço <strong>de</strong> Seda, a conexão com a escola efetiva-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong>1984. A diferença que emerge na contemporaneida<strong>de</strong> refere-se ao fato <strong>de</strong> que acapoeira nas escolas passa a ser oficialmente financiada pelas políticas públicas oupelas instituições particulares <strong>de</strong> ensino. Esse novo campo po<strong>de</strong> ocasionar novosriscos. Mestre Reginaldo aponta o perigo <strong>de</strong> uma “pedagogização” da capoeira. Dito<strong>de</strong> outro modo, uma prática que enquadre a capoeiragem conforme o tempo e adinâmica escolar, com objetivo <strong>de</strong> utilizá-la somente “como instrumento <strong>de</strong>socialização, como instrumento <strong>de</strong> lazer, como mecanismo para queimar a energiados meninos mais agressivos” (Mestre Reginaldo Véio) 86 . Outro risco, apontado porPepinha, é <strong>de</strong> que a capoeira regional ganhe cada vez mais espaço, inclusive <strong>de</strong>ntrodas escolas, e, assim, crianças e adolescentes tenham acesso somente a umprocesso <strong>de</strong> reprodução na capoeiragem, em <strong>de</strong>trimento dos aspectos <strong>de</strong> tradição,ancestralida<strong>de</strong>, criação coletiva, presentes na <strong>Capoeira</strong> <strong>Angola</strong>.Madrinha Flor sinaliza também algumas dificulda<strong>de</strong>s enfrentadas pelacapoeira no espaço escolar. Ela observa que, ainda hoje, a capoeiragem é vista poralguns familiares das crianças como prática pejorativa, estigmatizada comovadiagem. Além disso, Madrinha Flor e Professor Pepinha relatam histórias <strong>de</strong> paisque proíbem seus filhos <strong>de</strong> freqüentar as aulas <strong>de</strong> capoeira por questões religiosas,85 Informação verbal obtida em entrevista realizada em 12/04/2006.86 Informação verbal obtida em entrevista realizada em 04/03/2006
- Page 6 and 7:
AGRADECIMENTOSIêQuando eu aqui che
- Page 8 and 9:
ABSTRACTThis paper presents a study
- Page 10 and 11:
6. CAPOEIRA ANGOLA: TRADIÇÃO E CR
- Page 13 and 14:
12julgamento de valor e determina q
- Page 15:
14coisa de que se sai transformado,
- Page 18 and 19:
17pelo mestre Reginaldo Véio 3 e s
- Page 20 and 21:
192. O MÉTODOÔ menino aprenda a l
- Page 22 and 23:
21pesquisadora que se lança na exp
- Page 24 and 25:
23significados são construídos e
- Page 26 and 27:
25De acordo com Meier e Kudlowiez (
- Page 28 and 29:
273. A CAPOEIRA NO BRASIL: ARTICULA
- Page 30 and 31:
29Entendemos que investigar o adven
- Page 32 and 33:
31No escravismo, os senhores - colo
- Page 34 and 35:
33socialização, emergiu uma cultu
- Page 36 and 37:
35eram identificados por cores, sin
- Page 38 and 39:
37polícia, ao jogo do bicho, aos o
- Page 40 and 41:
39manifestações dos artistas e in
- Page 42 and 43:
41“vadiação” é um termo chei
- Page 44 and 45:
43registrar seu Centro de Cultura F
- Page 46 and 47:
45musicalidade e o jogo, articulado
- Page 48 and 49:
47O estado de dominação estava co
- Page 50 and 51:
49a alta periculosidade, os baixos
- Page 52 and 53:
51conhecimento dos fundamentos dess
- Page 54 and 55:
53políticos e agentes de transform
- Page 56 and 57:
55De acordo com Rodrigues (2002), u
- Page 58 and 59:
57contemporânea, pois essa estrutu
- Page 60 and 61:
59envolve todo mundo. Envolve pra m
- Page 62 and 63:
61da Escola Estadual Capitão Egíd
- Page 64 and 65:
63grandes proporções, chegando a
- Page 66 and 67:
65Nas imagens, vemos crianças banh
- Page 68 and 69:
675. A CAPOEIRAGEM EM TEMPOS DE MOD
- Page 70 and 71:
69pessoal e o bem-estar da comunida
- Page 72 and 73:
71Entendemos, portanto, que, nas re
- Page 74 and 75:
73principalmente no que diz respeit
- Page 76 and 77:
75consumo se tornaram mais intensos
- Page 78 and 79: 77Os movimentos sociais conquistara
- Page 80 and 81: 79atabaque, que vai dar sustentaç
- Page 82 and 83: 81produz, simultaneamente, prática
- Page 84 and 85: 835.3. O corpo: das modelizações
- Page 86 and 87: 85capaz. Maquinações corporais,
- Page 88 and 89: 87O processo de desenvolvimento e a
- Page 90 and 91: 89(...) a prática desta ciência,
- Page 92 and 93: 91positividade, para potencializar
- Page 94 and 95: 93unicidade. Rupturas de sentido, c
- Page 96 and 97: 95Hoje, o berimbau é considerado o
- Page 98 and 99: 97Ao pai que nos criouAbençoe essa
- Page 100 and 101: 99Ainda com os corridos, os capoeir
- Page 102 and 103: 101relata um acontecimento que expr
- Page 104 and 105: 103cada pessoa que compõe a roda.
- Page 106 and 107: 105resposta mínima, onde pensament
- Page 108 and 109: 1076.3. A produção da malícia e
- Page 110 and 111: 109Pepinha fala dessa construção
- Page 112 and 113: 111a ser o protagonista de si mesmo
- Page 114 and 115: 113dos ritmos e da dança na diásp
- Page 116 and 117: 115se estabelecem no plano macro da
- Page 118 and 119: 117quer de modo mais coletivo)” (
- Page 120 and 121: 119compõe a capoeiragem. Em nosso
- Page 122 and 123: 121o respeito à linhagem de mestre
- Page 124 and 125: 123uma malta rival. Na contemporane
- Page 126 and 127: 125No cruzamento dos diferentes asp
- Page 130 and 131: 129por associarem a capoeira ao pec
- Page 132 and 133: 131diversos. Suas apresentações l
- Page 134 and 135: 133coloca-se continuamente à prova
- Page 136 and 137: 135microscópico, o qual, no entant
- Page 138 and 139: 137REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASACES
- Page 140 and 141: 139GALEANO, Eduardo. As palavras an
- Page 142: 141REIS, Letícia Vidor de Sousa. O