57contemporânea, pois essa estrutura se repete nos dias <strong>de</strong> hoje. A organização dassalas em fileira, a hierarquização do saber e das capacida<strong>de</strong>s em alinhamentosobrigatórios <strong>de</strong> classes e séries, <strong>de</strong> acordo com o nível <strong>de</strong> avanço dos alunos, aida<strong>de</strong>, o comportamento. Um processo <strong>de</strong> reprodução e repetição que fazem daescola uma máquina <strong>de</strong> ensinar e, também, <strong>de</strong> vigiar, hierarquizar, recompensar,discriminar (FOUCAULT, 1987). Contudo, sempre há escapadas, diferenças que nãose enquadram. Nessa perspectiva, uma criança que não obe<strong>de</strong>ce as regras, nãoacata a <strong>de</strong>terminação dos lugares e quer trocar a posição das carteiras da sala abrefendas, pelas quais a diferença escapa e entra em cena. Aquelas que não apren<strong>de</strong>mno tempo e ritmo, <strong>de</strong>marcados <strong>de</strong> acordo com os alinhamentos das séries ehierarquização do saber, produzem uma ruptura no sistema, uma fresta que po<strong>de</strong>suscitar novas formas <strong>de</strong> resistência. Através <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>ssas rupturas, a capoeira daLenço <strong>de</strong> Seda conectou-se à escola em Timóteo.Madrinha Flor era professora na Re<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Ensino, quando se<strong>de</strong>parou com um grupo <strong>de</strong> crianças que não se enquadravam e eram um <strong>de</strong>safiopara a or<strong>de</strong>m escolar. Viu, então, na capoeira, uma ativida<strong>de</strong> que po<strong>de</strong>riapotencializar novos processos <strong>de</strong> criação e produzir a diferença naquele contexto.Eu assumi uma turma em 1984, <strong>de</strong> meninos só repetentes. Eram 30 alunosrepetentes. Realmente era muito difícil, tinha dia que eu saía da sala efalava: “não sei o que eu faço com esses meninos pra gostar <strong>de</strong> estar aqui”.Porque eu estava ali repetindo. Um dia eu pensei: quem sabe a capoeira?Era a oportunida<strong>de</strong> para a criança fazer, <strong>de</strong>ntro da escola, algo mais queestar sentado na sala <strong>de</strong> aula, mas que pu<strong>de</strong>sse ajudar a ser gente também(MADRINHA FLOR) 23 .O <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Flor apresenta importantes elementos paracompreen<strong>de</strong>rmos a experiência da capoeiragem na escola. Primeiramente,<strong>de</strong>stacamos o fato <strong>de</strong> que, também nesse universo, a prática da capoeira acontececom grupos marginalizados: alunos que não se enquadravam à lógica disciplinar eque repetiam as séries, ficando, portanto, em condição <strong>de</strong> discriminação por nãoacompanharem o ritmo <strong>de</strong> aprendizagem <strong>de</strong>terminado na seriação escolar. Namaioria das vezes, essas crianças são estigmatizadas como incapazes <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>rou como indisciplinadas.No período relatado por Flor, havia um novo alinhamento, com a criação <strong>de</strong>turmas especiais para essas crianças: eram as turmas dos “atrasados”, dos23 Informação verbal, obtida em entrevista realizada em 28/09/2006.
58“repetentes”. Porém, os professores também repetiam as mesmas metodologias eintervenções, o que ten<strong>de</strong> a paralisar a criação <strong>de</strong> novos processos <strong>de</strong>aprendizagem. Era necessário experimentar algo diferente. A diferença na cida<strong>de</strong>,naquele momento, emergia com a capoeira. Flor <strong>de</strong>staca que, on<strong>de</strong> havia uma roda,ela chegava para ver, “sem enten<strong>de</strong>r muito, não entendia nada, mas gostava dosom. Acho que o som me chamava muito e as pessoas, que acabavam sendo umgrupo diferente na cida<strong>de</strong>. A forma da roda, uma porção <strong>de</strong> gente jogando...”(MADRINHA FLOR) 24 .Dessa maneira, a partir <strong>de</strong> um saber prático, uma percepção intuitiva nãoelaborada cientificamente ou por meio estudos pedagógicos, a professora Florpropõe à Lenço <strong>de</strong> Seda uma experiência <strong>de</strong> capoeira na escola. Com aconcordância do mestre e autorização da diretora da escola, começou acapoeiragem na Escola Estadual Capitão Egídio Lima, no horário da aula, uma vezpor semana. Participavam das aulas <strong>de</strong> capoeira apenas vinte meninos da turma daprofessora Flor. As meninas faziam aulas <strong>de</strong> bordado naquele horário.Com a capoeiragem na escola, emergiam diferenças quanto a diversosaspectos. Enquanto na escola, na sala <strong>de</strong> aula, a organização dos espaços é linear,em filas, com lugares <strong>de</strong>marcados rigidamente, na capoeira o espaço é circular,flexível, com alternância constante na ocupação dos espaços. Se na sala <strong>de</strong> aula aor<strong>de</strong>m é o silêncio, na capoeira o som, o ritmo, a canção é o que sustenta omovimento, o jogo. Na maioria das vezes, as metodologias <strong>de</strong> aprendizagem na sala<strong>de</strong> aula pressupõem poucos movimentos corporais, com crianças sentadas,ouvintes. Na capoeira, a aprendizagem é eminentemente em movimento, seja paratocar os instrumentos, para apren<strong>de</strong>r os golpes ou para jogar na roda. Enquanto aorganização da sala <strong>de</strong> aula pressupõe elementos individuais sob o olhar doprofessor, com poucas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conexão, em que cada um éresponsabilizado por seu sucesso ou fracasso, a capoeira produz um campo no qualtodos estão conectados e a capoeiragem só acontece numa construção coletiva. Naopinião <strong>de</strong> Flor, diante da prática da capoeira,A cara da escola muda. Sai <strong>de</strong> uma rigi<strong>de</strong>z, <strong>de</strong> uma organização que émilitar. Pra mim, fica um ambiente mais alegre, os meninos ficam maissenhores <strong>de</strong> si e o entrosamento dos meninos com os colegas é muitomaior. Porque, na própria dinâmica da capoeira, não tem uma ação isolada,que é a capoeira só, um grupinho. Todo movimento que a capoeira faz24 Informação verbal, obtida em entrevista realizada em 28/09/2006.
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