13i<strong>de</strong>ológica do pesquisador. Dito <strong>de</strong> outro modo, a palavra “cultura” po<strong>de</strong> tornar-seuma “palavra-cilada”, “que nos impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar a realida<strong>de</strong> dos processos emquestão” (GUATTARI; ROLNIK, 2005, p. 23)Na presente pesquisa, preten<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>svencilhar-nos <strong>de</strong>ssa cilada daabordagem dicotômica, no intuito <strong>de</strong> alcançar a polifonia, a heterogeneida<strong>de</strong> que seconecta e constitui a capoeiragem: os diferentes saberes e culturas, as diversasformas <strong>de</strong> relacionar-se com o outro e com o mundo, as diferentes maneiras <strong>de</strong>produzir bens, o universo da arte, os atravessamentos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e resistências, emprocessos contínuos <strong>de</strong> transformação e criação, em diferentes tempos e espaços.Nessa perspectiva, não vamos discorrer sobre a capoeira no campo da cultura, sejapelo viés da cultura-alma, como manifestação da cultura afro-brasileira, ou comocultura popular. Ressaltamos que a capoeira, em seu percurso histórico, foiclassificada <strong>de</strong> diferentes formas: como crime, como esporte, hoje figurando naspolíticas públicas no campo da cultura. Entretanto, Guattari afirma que a questãoque se impõe na contemporaneida<strong>de</strong>(...) não é mais quem produz a cultura ou quais vão ser os recipientes<strong>de</strong>ssas produções culturais, mas (...) como produzir novos agenciamentos<strong>de</strong> singularização que trabalhem por uma sensibilida<strong>de</strong> estética, pelamudança da vida num plano mais cotidiano e, ao mesmo tempo pelastransformações sociais (...) (GUATTARI; ROLNIK, 2005, p.29-30).Enten<strong>de</strong>mos que essa questão coloca em cena o campo <strong>de</strong> reflexão para oqual preten<strong>de</strong>mos direcionar nosso trabalho, a saber: como se configura aresistência na prática da capoeira, ou como a capoeiragem potencializa a criação <strong>de</strong>novas formas <strong>de</strong> vida.Optamos, portanto, por abordar a capoeira como uma experiência. SegundoFoucault (1984), uma experiência articula esferas diversas e constitui-se noentrelaçamento <strong>de</strong> três eixos correlatos: “a formação dos saberes que a ela sereferem; os sistemas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que regulam sua prática e as formas pelas quais osindivíduos po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem se reconhecer como sujeitos [...]” (FOUCAULT, 1984,p.10). Enten<strong>de</strong>mos que pesquisar a capoeira enquanto experiência possibilitaabarcar a diversida<strong>de</strong> que a constitui nos entrelaçamentos entre saberes, relações<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e processos <strong>de</strong> resistência com maior distanciamento <strong>de</strong> possíveisdicotomias.Contudo, ressaltamos que a ênfase <strong>de</strong>ssa abordagem está em investigar atransformação que se produz na capoeiragem, uma vez que a experiência é alguma
14coisa <strong>de</strong> que se sai transformado, que nos <strong>de</strong>spren<strong>de</strong> do que somos, em umprocesso <strong>de</strong> emergência da diferença (FOUCAULT, 1984). Nesse sentido,buscamos, na capoeira, a diferença produzida, as transformações engendradasnessa prática, tanto na perspectiva individual quanto na coletiva.Enfim, enten<strong>de</strong>r a capoeira como experiência significa explorar as conexões<strong>de</strong>ssa prática com o universo da produção <strong>de</strong> bens, relações sociais, po<strong>de</strong>r, cultura,saber, para alcançar os pontos <strong>de</strong> transformação, a diferença engendrada nosprocessos <strong>de</strong> subjetivação individuais e coletivos, as formas <strong>de</strong> resistência.Outra peculiarida<strong>de</strong> relativa à abordagem da capoeira nessa pesquisa é <strong>de</strong>or<strong>de</strong>m metodológica. Muitos dos pesquisadores que investigam e escrevem sobre acapoeira são capoeiristas. Assim, estando imersos no mundo da capoeiragem,vivenciando no corpo essa prática, apropriam-se <strong>de</strong> conhecimentos inapreensíveisàqueles que, como esta pesquisadora, observam <strong>de</strong> fora. Reconsi<strong>de</strong>rando, talvez“fora” não seja a palavra mais a<strong>de</strong>quada para <strong>de</strong>signar a perspectiva na qual mecoloco para investigar a capoeira. É possível que o mais a<strong>de</strong>quado seja consi<strong>de</strong>rarum espaço entre, que é fora e <strong>de</strong>ntro. Dentro da roda, não como um dos atores dojogo, mas imerso em um universo <strong>de</strong> sons, movimentos, ritmos, ritualida<strong>de</strong>s queenvolvem e contaminam todos que se aproximam e se <strong>de</strong>ixam afetar por essaexperiência.Dizer da capoeira sem ser capoeirista é como entrar na roda <strong>de</strong> formapropensa a escorregar, a não ser suficientemente perspicaz para compreen<strong>de</strong>r edizer das nuances e malícias que emergem no mundo da capoeiragem. SegundoAbib (2004), esse universo é hermético aos não-iniciados, guardando mistérios esegredos inapreensíveis à racionalida<strong>de</strong> científica, com uma lógica diferenciada, naqual predominam outras temporalida<strong>de</strong>s, outras formas <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> saberes,<strong>de</strong> conceber o divino, outros modos <strong>de</strong> ser e estar no mundo.Ressaltamos que a capoeira é uma experiência que articula diversosuniversos: música, dança, luta, jogo, religiosida<strong>de</strong>, memória. É atravessada porrelações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e engendra processos <strong>de</strong> subjetivação que transitam entre atradição e a invenção, a repetição e a criação do diferente. Nessa prática, sãoengendrados saberes com uma lógica <strong>de</strong> produção e transmissão singulares, queperpassam o movimento, o corpo, a oralida<strong>de</strong>, a ritualida<strong>de</strong> e extrapolam aracionalida<strong>de</strong> acadêmica cartesiana. Discorrer sobre os sentidos e significados
- Page 6 and 7: AGRADECIMENTOSIêQuando eu aqui che
- Page 8 and 9: ABSTRACTThis paper presents a study
- Page 10 and 11: 6. CAPOEIRA ANGOLA: TRADIÇÃO E CR
- Page 13: 12julgamento de valor e determina q
- Page 18 and 19: 17pelo mestre Reginaldo Véio 3 e s
- Page 20 and 21: 192. O MÉTODOÔ menino aprenda a l
- Page 22 and 23: 21pesquisadora que se lança na exp
- Page 24 and 25: 23significados são construídos e
- Page 26 and 27: 25De acordo com Meier e Kudlowiez (
- Page 28 and 29: 273. A CAPOEIRA NO BRASIL: ARTICULA
- Page 30 and 31: 29Entendemos que investigar o adven
- Page 32 and 33: 31No escravismo, os senhores - colo
- Page 34 and 35: 33socialização, emergiu uma cultu
- Page 36 and 37: 35eram identificados por cores, sin
- Page 38 and 39: 37polícia, ao jogo do bicho, aos o
- Page 40 and 41: 39manifestações dos artistas e in
- Page 42 and 43: 41“vadiação” é um termo chei
- Page 44 and 45: 43registrar seu Centro de Cultura F
- Page 46 and 47: 45musicalidade e o jogo, articulado
- Page 48 and 49: 47O estado de dominação estava co
- Page 50 and 51: 49a alta periculosidade, os baixos
- Page 52 and 53: 51conhecimento dos fundamentos dess
- Page 54 and 55: 53políticos e agentes de transform
- Page 56 and 57: 55De acordo com Rodrigues (2002), u
- Page 58 and 59: 57contemporânea, pois essa estrutu
- Page 60 and 61: 59envolve todo mundo. Envolve pra m
- Page 62 and 63: 61da Escola Estadual Capitão Egíd
- Page 64 and 65:
63grandes proporções, chegando a
- Page 66 and 67:
65Nas imagens, vemos crianças banh
- Page 68 and 69:
675. A CAPOEIRAGEM EM TEMPOS DE MOD
- Page 70 and 71:
69pessoal e o bem-estar da comunida
- Page 72 and 73:
71Entendemos, portanto, que, nas re
- Page 74 and 75:
73principalmente no que diz respeit
- Page 76 and 77:
75consumo se tornaram mais intensos
- Page 78 and 79:
77Os movimentos sociais conquistara
- Page 80 and 81:
79atabaque, que vai dar sustentaç
- Page 82 and 83:
81produz, simultaneamente, prática
- Page 84 and 85:
835.3. O corpo: das modelizações
- Page 86 and 87:
85capaz. Maquinações corporais,
- Page 88 and 89:
87O processo de desenvolvimento e a
- Page 90 and 91:
89(...) a prática desta ciência,
- Page 92 and 93:
91positividade, para potencializar
- Page 94 and 95:
93unicidade. Rupturas de sentido, c
- Page 96 and 97:
95Hoje, o berimbau é considerado o
- Page 98 and 99:
97Ao pai que nos criouAbençoe essa
- Page 100 and 101:
99Ainda com os corridos, os capoeir
- Page 102 and 103:
101relata um acontecimento que expr
- Page 104 and 105:
103cada pessoa que compõe a roda.
- Page 106 and 107:
105resposta mínima, onde pensament
- Page 108 and 109:
1076.3. A produção da malícia e
- Page 110 and 111:
109Pepinha fala dessa construção
- Page 112 and 113:
111a ser o protagonista de si mesmo
- Page 114 and 115:
113dos ritmos e da dança na diásp
- Page 116 and 117:
115se estabelecem no plano macro da
- Page 118 and 119:
117quer de modo mais coletivo)” (
- Page 120 and 121:
119compõe a capoeiragem. Em nosso
- Page 122 and 123:
121o respeito à linhagem de mestre
- Page 124 and 125:
123uma malta rival. Na contemporane
- Page 126 and 127:
125No cruzamento dos diferentes asp
- Page 128 and 129:
127Foucault (1986) o poder não é
- Page 130 and 131:
129por associarem a capoeira ao pec
- Page 132 and 133:
131diversos. Suas apresentações l
- Page 134 and 135:
133coloca-se continuamente à prova
- Page 136 and 137:
135microscópico, o qual, no entant
- Page 138 and 139:
137REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASACES
- Page 140 and 141:
139GALEANO, Eduardo. As palavras an
- Page 142:
141REIS, Letícia Vidor de Sousa. O