39manifestações dos artistas e intelectuais, engendrou-se o fim do regimeescravocrata e a Proclamação da República no Brasil. Nessa trama histórica,observamos formas <strong>de</strong> exercício do po<strong>de</strong>r com o uso <strong>de</strong> novas técnicas <strong>de</strong> governo.De acordo com Foucault, governar é sempre um equilíbrio versátil, comcomplementarida<strong>de</strong> e conflitos entre atos <strong>de</strong> coerção e processos, nos quais ocomportamento é construído e modificado por si mesmo. As tecnologiasgovernamentais abarcam uma forma <strong>de</strong> governar ações a partir <strong>de</strong> dois mecanismossimultâneos e relacionados: o governo do outro sobre si e o governo <strong>de</strong> si sobre simesmo (HARTMANN, 2003).Revel (2005) aponta que as tecnologias governamentais po<strong>de</strong>m serobservadas no conjunto das instituições, procedimentos, análises, reflexões e táticasque permitem o exercício <strong>de</strong> uma forma específica e complexa <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e que têmcomo alvo a população, a construção da gestão política global sobre a vida dosindivíduos, através da biopolítica. As biopolíticas, associadas às disciplinas,constituem técnicas <strong>de</strong> governo que operam, inclusive, por meio da distribuição dosindivíduos no espaço, do controle do tempo e da ação (FOUCAULT, 1987).Na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro, no início do século XX, observamos como asbiopolíticas atravessaram a experiência da capoeira. De acordo com Cruz (1996), areorganização dos espaços na cida<strong>de</strong>, nesse período, estabelece um processo <strong>de</strong>mudanças radicais, com o intuito <strong>de</strong> alinhar a socieda<strong>de</strong> brasileira aos padrõesculturais e econômicos europeus. Em nome da higiene, do saneamento e doprogresso, efetivou-se a <strong>de</strong>sapropriação e a <strong>de</strong>molição <strong>de</strong> casarões que abrigavamparcelas marginalizadas da população. A pobreza urbana era <strong>de</strong>salojada etransferida para outras áreas, “(...) que se tornaram os <strong>de</strong>positários das tradiçõesmarginalizadas pelas elites” (CRUZ, 1996, p.90). Nesse contexto, a repressão àcapoeira e sua criminalização, além do controle da ação, têm uma dimensãoassociada à higienização do espaço urbano, pois a capoeiragem distanciava-se dosmo<strong>de</strong>los culturais europeus e estava ligada ao mundo das culturas <strong>de</strong> rua, àsmanifestações <strong>de</strong> festas, danças, jogos e lutas compartilhadas pelas parcelasmarginalizadas da população.Abib (2004) aponta que, provavelmente, nunca uma experiência culturalcausou tanta preocupação aos dirigentes brasileiros. Contudo, longe da cida<strong>de</strong>burguesa letrada, eram criados espaços da alegria, on<strong>de</strong> formas expressivas ligadasao candomblé, ao samba e à capoeira, aconteciam e atravessavam os hábitos e as
40criações dos indivíduos da cida<strong>de</strong>, inclusive com a participação <strong>de</strong> membros dosenado, da marinha, do exército e <strong>de</strong> representantes da elite intelectual (CRUZ,1996).A prática da capoeira nesses espaços adquire contornos diferentes: se, com aexperiência das maltas, a luta ganhou maior visibilida<strong>de</strong> na capoeira, agora há ummovimento <strong>de</strong> reversibilida<strong>de</strong>, no qual o jogo, a ludicida<strong>de</strong> e a alegria predominamcomo formas <strong>de</strong> resistência pela via da invenção. Conforme Abib (2004), a capoeiramunia os marginalizados <strong>de</strong> armas po<strong>de</strong>rosas na luta contra a opressão, armas queextrapolaram a luta enquanto contestação e confronto e alcançam um processo <strong>de</strong>criação: a emergência <strong>de</strong> novos territórios existenciais, por meio da vadiação. Aintensificação da vadiação na capoeiragem expressa-se <strong>de</strong> maneira maiscontun<strong>de</strong>nte na Bahia.A capoeira baiana diferenciava-se da capoeira carioca principalmente emrelação às questões político-i<strong>de</strong>ológicas, visto que, na Bahia, a prática pouco searticulava aos embates políticos da monarquia e da república. De acordo com Rego(1968), na Bahia,Em tudo era notada a presença do capoeira, mui especialmente nas festaspopulares. (...) Os capoeiras com alguns companheiros e discípulosrumavam para o local da festa, com seus instrumentos musicais, inclusivearmas para o momento oportuno e lá, com amigos outros que encontravam,faziam a roda e brincavam o tempo que queriam (REGO, 1968, p. 37).Dessa forma fluida, a capoeira acontecia não apenas nos momentos dasfestas populares, mas também em conexão com os ritos <strong>de</strong> rua, o mundo dotrabalho, as cenas do cotidiano. Havia capoeiragem on<strong>de</strong> havia uma quitanda ouuma venda <strong>de</strong> cachaça com um largo em frente. Na visão <strong>de</strong> Chauí (1982), a venda<strong>de</strong> cachaça - o boteco - é o ponto <strong>de</strong> encontro dos trabalhadores, encontro dosdiferentes. Para os homens do boteco, “ser macho era ser valente (<strong>de</strong>safiar asocieda<strong>de</strong>) e resistente (não entregar companheiro quando se é apanhado poralguma força da or<strong>de</strong>m)” (CHAUÍ, 1982, p. 68). Após o trabalho ou aos domingos,feriados e dias santos, capoeiristas famosos reuniam-se nas quitandas, vendas - oubotecos - para tagarelar, beber e jogar a capoeira, o que era divertimento e luta nomomento oportuno.Essa prática que emergia nos largos e nas festas populares como forma <strong>de</strong>encontro, <strong>de</strong> exercício livre do corpo, com um espírito <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira e umsentimento <strong>de</strong> alegria, era a vadiação. Mestre Reginaldo Véio enfatiza que
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