69pessoal e o bem-estar da comunida<strong>de</strong>, é atravessada diretamente por esse aspecto,conforme relata Jorginho Escorpião:Com uns <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> Lenço <strong>de</strong> Seda, mais ou menos, tinha festa na rua ea gente procurava movimentar a galera, fazer festa, tudo por conta daassociação - é dia das crianças... - a gente participava. A gente procuravadoar <strong>de</strong> si o máximo pra po<strong>de</strong>r ver acontecer, e hoje em dia a gente procuraas pessoas e elas pouco doam, você enten<strong>de</strong>u? (CONTRAMESTREJORGINHO ESCORPIÃO) 31 .A dificulda<strong>de</strong> que a Lenço <strong>de</strong> Seda enfrenta, hoje, para conseguir mobilizar aspessoas da comunida<strong>de</strong> em função <strong>de</strong> ações coletivas - expressada no <strong>de</strong>poimento<strong>de</strong> Jorginho - foi manifestada em outros <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> capoeiristas que compõemo grupo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua fundação. Enten<strong>de</strong>mos que isso reflete uma transformação nasconfigurações grupais e nas formas <strong>de</strong> conexão com as questões sociais. Noperíodo <strong>de</strong>scrito por Jorginho, que compreen<strong>de</strong> os quinze anos iniciais da trajetóriada Lenço <strong>de</strong> Seda, o grupo contava com gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> integrantes, queparticipavam efetivamente das ativida<strong>de</strong>s da capoeiragem e da produção coletiva <strong>de</strong>ações sócio-políticas que mobilizavam uma significativa parcela da comunida<strong>de</strong>,conforme <strong>de</strong>scrito anteriormente. Hoje, o grupo da Lenço <strong>de</strong> Seda em Timóteo émenor, e as ações sócio-políticas já não abarcam gran<strong>de</strong>s segmentos dacomunida<strong>de</strong>: são micro e pontuais. Acreditamos que a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> mobilizaçãodas pessoas em função <strong>de</strong> projetos coletivos reflete a exacerbação doindividualismo na contemporaneida<strong>de</strong>. Tal exacerbação atravessa também o jogo <strong>de</strong>capoeira, principalmente no universo da Regional.Como sinalizamos anteriormente, a criação da <strong>Capoeira</strong> Regional e seureconhecimento como esporte nacional propiciou, simultaneamente, maior inserçãoda capoeira no contexto social, abertura a novas configurações e maiorsuscetibilida<strong>de</strong> aos atravessamentos e capturas do po<strong>de</strong>r. Nesse processo, acapoeira como prática eminentemente coletiva vai se transformando em show,performances individuais, na medida que incorpora golpes <strong>de</strong> outras lutas emovimentos acrobáticos. Mestre Reginaldo Véio enfatiza que:No jogo <strong>de</strong> <strong>Angola</strong> nós estamos elaborando uma energia, há um dialogo, eesse diálogo haverá <strong>de</strong> ter uma conclusão. Na Regional eu possointerromper o jogo quando eu quiser. Não se trata <strong>de</strong> um diálogo que vaichegar ao fim, mas um exercício <strong>de</strong> disputa corporal, <strong>de</strong> acrobacia, <strong>de</strong> simesmo. <strong>Angola</strong> é um exercício do coletivo, o exercício <strong>de</strong> diálogo. ARegional é um exercício <strong>de</strong> si mesmo: você precisa <strong>de</strong> um cenário - as31 Informação verbal obtida em entrevista realizada em 16/06/2006.
70rodas, os instrumentos, as baterias, o canto -, mas muito a serviço <strong>de</strong> umaperformance on<strong>de</strong> eu possa dar cinco, seis, oito saltos pra você narrar. Na<strong>Angola</strong>, “nunca <strong>de</strong>i um golpe em vão”, todo golpe que eu dou é umapergunta, tem que te alcançar, você vai ter que respon<strong>de</strong>r pra fazer outrapergunta. Na Regional não, eu salto (MESTRE REGINALDO VÉIO) 32 .Ao estabelecer esse paralelo entre <strong>Angola</strong> e Regional, o mestre aborda oprocesso <strong>de</strong> individualização que atravessa a capoeiragem em relação à formacomo o jogo se <strong>de</strong>senvolve na roda e enfatiza que esse processo ganha força na<strong>Capoeira</strong> Regional. O diálogo corporal transforma-se em exercício <strong>de</strong> performancesacrobáticas individuais. A individualização po<strong>de</strong> ser observada também em relação aoutros fatores, como, por exemplo, a busca da prática da capoeira nas aca<strong>de</strong>miascomo treino, ginástica sem vinculação à formação <strong>de</strong> grupos ou à participação emprocessos coletivos. Tanto nas performances individuais na roda quanto na busca<strong>de</strong> treino nas aca<strong>de</strong>mias, os aspectos coletivos estão sendo dissolvidos, o que nosremete ao <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Jorginho, sobre a dificulda<strong>de</strong>s em relação às açõesgrupais, e às elaborações <strong>de</strong> Bauman (2001), ao dizer da clivagem entre as políticas<strong>de</strong> vida conduzidas individualmente e as ações <strong>de</strong> coletivida<strong>de</strong>s humanas.Portanto, a capoeiragem transforma-se ao ser atravessada peloindividualismo exacerbado e por outros aspectos que compõem o panorama <strong>de</strong>nosso tempo, no qual emergem novas formas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e resistência.Segundo as elaborações foucaultianas sobre o exercício do po<strong>de</strong>r, po<strong>de</strong>mosi<strong>de</strong>ntificar três níveis diferentes <strong>de</strong> sua manifestação: os estados <strong>de</strong> dominação, astécnicas <strong>de</strong> governo ou governamentalida<strong>de</strong> e as relações estratégicas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.Ressaltamos que esses níveis não são exclu<strong>de</strong>ntes, aparecendo, muitas vezes,associados, mesmo com a prevalência maior <strong>de</strong> algum sobre os outros.No tempo da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> líquida, predominam as relações estratégicas: “ummodo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que não age direta e imediatamente sobre os outros, mas que agesobre sua própria ação” (FOUCAULT, 1995, p. 243). Essas relações são móveis,reversíveis e instáveis, acontecem entre sujeitos livres, em um exercício flexível. Opo<strong>de</strong>r estabelece-se na medida em que cada um procura dirigir a conduta do outro:(...) é preciso distinguir as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r como jogos estratégicos entreliberda<strong>de</strong>s - jogos estratégicos que fazem com que uns tentem <strong>de</strong>terminar aconduta dos outros, ao que os outros tentam respon<strong>de</strong>r não <strong>de</strong>ixando suaconduta ser <strong>de</strong>terminada ou <strong>de</strong>terminando em troca a conduta dos outros(FOUCAULT, 2004, p.285).32 Informação verbal obtida em entrevista realizada em 04/03/2006.
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AGRADECIMENTOSIêQuando eu aqui che
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