131diversos. Suas apresentações lúdicas em praças, festas e folguedos da cida<strong>de</strong>envolviam cantigas <strong>de</strong> <strong>de</strong>safio, brados <strong>de</strong> guerra, <strong>de</strong>monstrações <strong>de</strong> <strong>de</strong>streza evalentia, atos <strong>de</strong> violência, dramatizações, coreografias, malabarismos,transgressões <strong>de</strong> normas e regras socialmente instituídas. Um ethos guerreiro que,<strong>de</strong> forma hibrida e difusa, se articulava aos homens do Estado, à polícia, ao jogo dobicho, aos operários, não se pren<strong>de</strong>ndo a ninguém.A dança, o jogo, intensificaram-se na capoeira quando as tecnologiasdisciplinares passaram a compor novas formas <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. A vadiação, aalegria <strong>de</strong> experimentar o corpo com liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> movimento, em conexão com oritmo, com o rito, com outros corpos, ativa-se com maior força. Por meio da festa, daluta, da dança e do jogo, os capoeiristas ampliam sua potência e alcançam maiorpo<strong>de</strong>r <strong>de</strong> realização. A intensificação da vadiação na capoeiragem sinaliza adiferença na forma <strong>de</strong> resistência, pois é uma maneira <strong>de</strong> brincar com a serieda<strong>de</strong>da vida, subverter a or<strong>de</strong>m e criar espaços da alegria. O exercício livre do corpo nabrinca<strong>de</strong>ira, no jogo, contraria a lógica <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, escapando às repressões policiaise às técnicas <strong>de</strong> governo disciplinares.Na fase inicial da experiência da Lenço <strong>de</strong> Seda, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Timóteo,observamos a força da conexão luta-dança-jogo. Em um cenário no qual coexistiaum estado <strong>de</strong> dominação e uma biopolítica que buscava gerenciar a vida na cida<strong>de</strong>,as rodas <strong>de</strong> capoeira produziam na vadiação um novo ethos guerreiro epotencializavam acontecimentos no contexto da cida<strong>de</strong>, abrindo fendas, diferenças,resistências.Enfim, constatamos que a capoeira, em seu percurso histórico no contextobrasileiro e na experiência da Lenço <strong>de</strong> Seda, engendrou diferentes formas <strong>de</strong>resistências, potencializando a criação, funcionando como catalisador paraemergência da diferença na vida das cida<strong>de</strong>s. Contudo, na contemporaneida<strong>de</strong>,mediante novas configurações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, a capoeiragem por vezes é consi<strong>de</strong>radauma prática capturada. Na visão <strong>de</strong> Melo,A capoeira ganha cada vez mais os salões e praças, se acalma, se pacifica(...). Hoje ela é ensinada para crianças ricas e pobres, meninos e meninas,homens e mulheres, contando-se saudosamente a história <strong>de</strong> uma origemguerreira que embala a anêmica revolta <strong>de</strong> nossa atualida<strong>de</strong> (MELO, 2001,p.186).Essa elaboração direciona-se para a perspectiva <strong>de</strong> que, nacontemporaneida<strong>de</strong>, a capoeira per<strong>de</strong>u sua potência como resistência. Porém, uma
132análise mais minuciosa <strong>de</strong>ssa elaboração provoca diferentes consi<strong>de</strong>rações sobre acapoeira contemporânea.Enten<strong>de</strong>mos que, ao dizer que a capoeira “se pacifica e embala a anêmicarevolta <strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong>”, a autora aborda a resistência pelo viés da contestação,da contra-força, posicionamento do qual discordamos. Ressaltamos que emerge nacapoeira, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu surgimento no Brasil, não apenas uma resistência como contraforça,luta, mas, sobretudo, uma resistência positiva, processo <strong>de</strong> criação, produçãodo novo, do diferente, constituição <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> produzidos na conexãodança-luta-jogo, com atravessamentos <strong>de</strong> música, ritmos, rivalida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>sejos,culturas, ritualida<strong>de</strong>s. Corpos, movimento e ritmos, abrindo campos <strong>de</strong>possibilida<strong>de</strong>s para invenção <strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong> viver e conviver.Contudo, esse processo <strong>de</strong> singularização não significa imunida<strong>de</strong> diante dasformas hegemônicas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ou da produção <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong> capitalística.Guattari alerta que toda criativida<strong>de</strong> ten<strong>de</strong> a ser esmagada e todo microvetorsingular ten<strong>de</strong> a ser recuperado, capturado pelas modulações dominantes.(GUATTARI; ROLNIK, 2005). Portanto, como dissemos anteriormente, há nouniverso da capoeiragem práticas <strong>de</strong> resistência e <strong>de</strong> reprodução.Ratificamos que, na contemporaneida<strong>de</strong>, experiências que propiciam acriação, a produção <strong>de</strong> subjetivações singulares, são as principais formas <strong>de</strong>resistência. A experiência da <strong>Capoeira</strong> <strong>Angola</strong>, ao engendrar a conexão <strong>de</strong> aspectosheterogêneos, universos corporais e incorporais, rompe contornos subjetivos e abreinfinitos campos <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s. Assim, a roda <strong>de</strong> capoeira funciona como umritornelo complexo, que potencializa a produção <strong>de</strong> subjetivações singulares.Na roda <strong>de</strong> <strong>Angola</strong>, cada participante, em conexão heterogênea com ritmos,movimentos, corpos, rituais, é atravessado por múltiplos afetos que <strong>de</strong>sterritorializame propiciam uma reterritorialização, com emergência da diferença. No universo microda roda, é possível intensificar o equilíbrio <strong>de</strong> forças nas relações estratégicas eproduzir subjetivações singulares, o que vai potencializar a diferença, processos <strong>de</strong>singularização nas formas <strong>de</strong> ser e viver do capoeirista.A produção <strong>de</strong> singularida<strong>de</strong>, tanto numa perspectiva individual como coletiva,dá-se com a conquista da malícia, que requer prática contínua da capoeiragem,aprendizagem e <strong>de</strong>senvolvimento infinito, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ando um processo similaràquele presente nas artes <strong>de</strong> existência no mundo greco-romano: por meio doencontro com o outro, do diálogo corporal, em conexões heterogêneas, o capoeirista
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