93unicida<strong>de</strong>. Rupturas <strong>de</strong> sentido, cortes, fragmentações, que po<strong>de</strong>m gerar focosmutantes <strong>de</strong> subjetivação.Os acontecimentos engendrados na roda <strong>de</strong> capoeira são ritorneloscomplexos, que catalisam inumeráveis universos <strong>de</strong> referência - universos corporaise incorporais <strong>de</strong> ritmos, cantigas, rituais, movimentos, gestos, corpos, sonhos, lutas,<strong>de</strong>sejos. Um espaço-tempo <strong>de</strong> fluxos intensos, campos <strong>de</strong> energias que são dadosno instante em que são criados e escapam ao plano discursivo. Na visão <strong>de</strong>Pepinha, na capoeira há coisas que não são explicáveis, apenas sentidas:Teve uma vez que a gente tava fazendo uma brinca<strong>de</strong>ira, apresentado acapoeira com os meninos da comunida<strong>de</strong>. Montamos uma rodinha simples,aí nós apresentamos os instrumentos, a bateria pro pessoal. Falamos umpouco da capoeira e começamos logo com a roda: cantamos ladainhas,fizemos louvação e os meninos fizeram um joguinho muito bonitinho. Teveuma hora na bateria que uns camaradas nossos lá da capoeira - tava todosna bateria, os mais antigos, e num momento, eu tava tocando pan<strong>de</strong>iro,esses camaradas todos olharam pra mim com aquela cara <strong>de</strong> máximafelicida<strong>de</strong>. É como se a gente, nesse momento, encontrasse com Deusmesmo (PROFESSOR PEPINHA) 43 .Essa <strong>de</strong>scrição expressa um pouco da dimensão da roda <strong>de</strong> capoeira:experiência em que potências, energias e fluxos se intensificam e escapam àspalavras ou às codificações, o que, quando acontece, constitui um catalisador dacriação <strong>de</strong> novo território existencial coletivo, que nos remete a um clima <strong>de</strong> alegria eanimação. É o corpo em festa, que se liberta da alma.A lógica platônica ensina que o corpo aprisiona a alma. Foucault (1987)inverte essa lógica e afirma que a alma mo<strong>de</strong>rna é que aprisiona o corpo. Ele afirmaque a alma não é ilusão, efeito i<strong>de</strong>ológico ou substância transcen<strong>de</strong>nte, masrealida<strong>de</strong> histórica produzida pelo funcionamento do po<strong>de</strong>r, que busca fixar e/oucontrolar os corpos durante toda sua existência, por meio <strong>de</strong> procedimentos <strong>de</strong>punição, <strong>de</strong> coação, <strong>de</strong> vigilância ou <strong>de</strong> modulações contínuas para produção <strong>de</strong>sujeitos consumidores, na contemporaneida<strong>de</strong>. Portanto, a alma real e incorpórea éa engrenagem com a qual as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r engendram saberes quereconduzem e reforçam os efeitos do po<strong>de</strong>r, <strong>de</strong>lineando contornos <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong>sdominadas, submetidas. Assim, a alma que habita o Homem é “uma peça nodomínio exercido pelo po<strong>de</strong>r sobre o corpo. A alma, efeito e instrumento <strong>de</strong> umaanatomia política; a alma, prisão do corpo”. (FOUCAULT, 1987, p. 29)43 Informação verbal obtida em entrevista realizada em 12/04/2006..
94A roda <strong>de</strong> capoeira, enquanto ritornelo complexo, constitui território-festa queliberta o corpo da alma e po<strong>de</strong> propiciar a produção <strong>de</strong> subjetivações singulares.Contudo, como tal processo emerge? Quais elementos se conectam e como searticulam os universos heterogêneos?A capoeira é uma esfera que tem no seu ponto central seus fundamentos, equem se apropriar daqueles fundamentos consegue caminhar em todas asdireções. (...) A capoeira é uma roda quando você vê no plano, mas quandovocê transcen<strong>de</strong> a lógica do plano, a capoeira é um universo. (...) Você táfazendo a ligação <strong>de</strong> energia do aqui agora com energia do outro plano,você tá abrindo portas através <strong>de</strong> vibração <strong>de</strong> metais, <strong>de</strong> coro, <strong>de</strong> canto, <strong>de</strong>estímulos <strong>de</strong> ritmo. Então, você tá mexendo com um universo complexo. (...)A capoeira é o tempo todo atualizada e re-atualizada. Ela traz consigovários campos <strong>de</strong> manifestação (MESTRE REGINALDO VÉIO) 44 .O <strong>de</strong>poimento do mestre Reginaldo, juntamente com o relato <strong>de</strong> Pepinha,apresentado anteriormente, oferece elementos para melhor compreen<strong>de</strong>rmos aroda. Pepinha apresentou a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> uma seqüência espaço-temporal <strong>de</strong>ssaexperiência, falando da disposição das pessoas em círculo – “montamos umarodinha simples” - da montagem da bateria, do canto da ladainha, da louvação e, naseqüência, o início do jogo. Nessa elaboração está a <strong>de</strong>scrição básica da roda.Mestre Reginaldo Véio convida-nos a ampliar a visão e alcançar os universosvirtuais que se atualizam nas maquinações corporais e incorporais produzidas naroda. Um campo complexo <strong>de</strong> multiplicida<strong>de</strong>s que contém o bem e o mal conecta aenergia do aqui e agora com energias <strong>de</strong> outros tempos e espaços, por meio davibração dos metais, do coro, do canto, dos estímulos, do ritmo, do movimento, doscorpos. A roda está montada, a<strong>de</strong>ntremos...Começamos com a formação da bateria: os instrumentos e os ritmos. Deacordo com Rego (1968), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios da capoeira até os dias <strong>de</strong> hoje, abateria é composta por berimbau, atabaque, pan<strong>de</strong>iro, caxixi e agogô. Nacontemporaneida<strong>de</strong>, para compor uma bateria <strong>de</strong> <strong>Angola</strong> completa, são necessáriostrês berimbaus e um exemplar dos outros instrumentos citados. Os três berimbausdiferem-se pelo tamanho e pelo som. São <strong>de</strong>nominados gunga (o <strong>de</strong> som maisgrave, tocado pelo mestre e que <strong>de</strong>marca o ritmo do jogo, da roda), médio (quedobra sobre o ritmo básico do gunga) e violinha (o menor e <strong>de</strong> som mais agudo, quefaz contra-toques e improvisos) (NESTOR <strong>CAPOEIRA</strong>, 1988).44 Dados da entrevista. Pesquisa <strong>de</strong> campo realizada em 04/03/2006.
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