51conhecimento dos fundamentos <strong>de</strong>ssa experiência. Essa organização foisistematizada com a criação da Associação <strong>de</strong> <strong>Capoeira</strong> Lenço <strong>de</strong> Seda.A capoeira imprimia diferença no cenário da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Timóteo. Em umcontexto atravessado pela lógica disciplinar da fábrica, a capoeiragem trazia à cenaa dimensão da festa. Funcionava como catalisador <strong>de</strong> mobilizações sociais eproduzia um ethos guerreiro na vadiação, com implicações político-i<strong>de</strong>ológicas,conforme po<strong>de</strong>mos observar nos relatos que apresentamos a seguir.O grupo realizava rodas <strong>de</strong> capoeira nos bairros e, após mobilizar as pessoascom a festa, as músicas, o jogo, <strong>de</strong>senvolvia conversas sobre a história da capoeirae sobre a luta por liberda<strong>de</strong>, que, naquele cenário, era a luta contra as condições <strong>de</strong>trabalho, que po<strong>de</strong>riam ser cotejadas à escravização. Após as conversas, eramdistribuídos textos políticos, <strong>de</strong> protesto e <strong>de</strong>núncia: ação <strong>de</strong> resistência pelo viés dacontestação. Um <strong>de</strong>sses textos era o jornal “O Trampo”, com matérias sobre aexploração dos trabalhadores, <strong>de</strong>núncias sobre as condições insalubres <strong>de</strong> trabalho,reivindicações dos operários. Em uma <strong>de</strong>ssas manifestações, no ano <strong>de</strong> 1978,quando se apresentou em uma área da usina <strong>de</strong>nominada Horto Malaquias, o grupofoi expulso pela polícia, que os abordou <strong>de</strong> arma em punho.Ressaltamos que a prática da capoeira do grupo Lenço <strong>de</strong> Seda teve iníciodiretamente articulada aos movimentos sociais e políticos da cida<strong>de</strong>. Observamosaqui outro ponto <strong>de</strong> contato com a capoeiragem urbana carioca do século XIX: aconvivência com a repressão policial. Circunstâncias nas quais os capoeiristas se<strong>de</strong>paravam com oposição armada existiram em outros momentos da Lenço <strong>de</strong> Seda.Um fato que marcou o grupo e foi relatado em todas as entrevistas <strong>de</strong> pesquisarefere-se à morte do capoeirista Rogerinho. Pepinha relata:Depois, outro cara foi o Rogerinho, mataram ele com tiro. Sem sentido... Eraum menino... O cara <strong>de</strong>sceu da casa <strong>de</strong>le cantando – o pessoal conta queele tinha acabado <strong>de</strong> fazer a fiação elétrica da casa <strong>de</strong>le, e foi lá num poçoon<strong>de</strong> o pessoal da comunida<strong>de</strong> da invasão pegava água. O Rogério eramuito famoso, porque ele era um gran<strong>de</strong> capoeirista e ele – como dizem -não pagava pau pra ninguém e tal... era um cara casado e a esposa <strong>de</strong>lemorreu, casou a segunda vez, refez sua vida. Ele foi buscar água, teve umproblema lá, o vigia, não sei se foi por <strong>de</strong>speito, ou por medo, ou que quefoi, encrencou com ele, disse que não podia, e faz e acontece. Num lugaron<strong>de</strong> toda comunida<strong>de</strong> pegava água – era uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> invasão,<strong>de</strong>ntro da companhia, era uma torneira que tinha, mas o vigia, porquecismou com ele, falou:- Você não.- Por que eu não?Aí começou a discussão. O cara armado, <strong>de</strong> dia, <strong>de</strong>u um tiro nele. Elesentiu. O cara abriu o portão e saiu correndo atrás <strong>de</strong>le e <strong>de</strong>u cinco tiros.
52Quer dizer, não <strong>de</strong>u nem tempo pra se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, foi o tempo <strong>de</strong> sair pramatar mesmo; sabe? (PROFESSOR PEPINHA) 22 .Nesse <strong>de</strong>poimento, <strong>de</strong>stacamos a relevância do fato do Rogerinho sercapoeirista na incidência <strong>de</strong> seu assassinato. Ao dizer “ele era uma cara casado”,Pepinha sinaliza que se tratava um “rapaz <strong>de</strong> família”, não um “arruaceiro”. Todospodiam pegar água naquela torneira, naquele local, porém, Rogerinho, capoeiristaforte e famoso, foi vítima dos tiros do “vigia”. Não po<strong>de</strong>mos assegurar que esseepisódio comprova perseguição aos capoeiristas, porém, é contun<strong>de</strong>nte sua força naexperiência da Lenço <strong>de</strong> Seda. Pepinha relata-o como fato importante, o maisvisível, entre tantos outros.A repressão policial, como forma <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, compunha o ritual <strong>de</strong>dominação durante o governo militar no Brasil. Porém, o confronto <strong>de</strong> forças no jogodas dominações produz a emergência <strong>de</strong> novos eventos, que escapam ao exercíciohegemônico do po<strong>de</strong>r. Foucault (1986), ao comentar Nietzsche, afirma que aemergência se produz em <strong>de</strong>terminado jogo <strong>de</strong> forças. É a entrada em cena dasforças, o salto pelo qual elas passam dos bastidores para o teatro.A capoeiragem chega a Timóteo em um momento histórico <strong>de</strong> forças <strong>de</strong>dominação intensas, tanto no âmbito da cida<strong>de</strong> quanto no País. Nesse cenário, aprática da capoeiragem compunha esse jogo <strong>de</strong> forças, no qual emergiamresistências <strong>de</strong> formas diversas: protestos, contestação, movimentos sindicais,invenção <strong>de</strong> novos espaços <strong>de</strong> expressão no contexto da cida<strong>de</strong>.Em todo o Brasil, acirravam-se as críticas à ditadura militar. Os políticossituacionistas não encontravam argumentos capazes <strong>de</strong> justificar o governo perantea opinião pública: iniciava-se a abertura lenta e gradual daquele Estado <strong>de</strong>dominação. Na visão <strong>de</strong> Ferreira Neto (2004) o po<strong>de</strong>r da ditadura militar começou ase <strong>de</strong>sestabilizar na segunda meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 70, através <strong>de</strong> duascontingências históricas. A primeira está relacionada ao encerramento do ciclo domilagre econômico: com a recessão, setores médios e altos da população sofreramsignificativas mudanças em seu modo <strong>de</strong> vida, enquanto as camadas popularestiveram um agravamento das difíceis condições <strong>de</strong> sobrevivência.A segunda contingência refere-se à emergência vigorosa dos movimentossociais no País. De acordo com Pereira (2001), mesmo diante da estrutura militarautoritária, os grupos e organizações <strong>de</strong> base fortaleceram-se como sujeitos22 Informação verbal, obtida em entrevista em 12/04/2006.
- Page 6 and 7: AGRADECIMENTOSIêQuando eu aqui che
- Page 8 and 9: ABSTRACTThis paper presents a study
- Page 10 and 11: 6. CAPOEIRA ANGOLA: TRADIÇÃO E CR
- Page 13 and 14: 12julgamento de valor e determina q
- Page 15: 14coisa de que se sai transformado,
- Page 18 and 19: 17pelo mestre Reginaldo Véio 3 e s
- Page 20 and 21: 192. O MÉTODOÔ menino aprenda a l
- Page 22 and 23: 21pesquisadora que se lança na exp
- Page 24 and 25: 23significados são construídos e
- Page 26 and 27: 25De acordo com Meier e Kudlowiez (
- Page 28 and 29: 273. A CAPOEIRA NO BRASIL: ARTICULA
- Page 30 and 31: 29Entendemos que investigar o adven
- Page 32 and 33: 31No escravismo, os senhores - colo
- Page 34 and 35: 33socialização, emergiu uma cultu
- Page 36 and 37: 35eram identificados por cores, sin
- Page 38 and 39: 37polícia, ao jogo do bicho, aos o
- Page 40 and 41: 39manifestações dos artistas e in
- Page 42 and 43: 41“vadiação” é um termo chei
- Page 44 and 45: 43registrar seu Centro de Cultura F
- Page 46 and 47: 45musicalidade e o jogo, articulado
- Page 48 and 49: 47O estado de dominação estava co
- Page 50 and 51: 49a alta periculosidade, os baixos
- Page 54 and 55: 53políticos e agentes de transform
- Page 56 and 57: 55De acordo com Rodrigues (2002), u
- Page 58 and 59: 57contemporânea, pois essa estrutu
- Page 60 and 61: 59envolve todo mundo. Envolve pra m
- Page 62 and 63: 61da Escola Estadual Capitão Egíd
- Page 64 and 65: 63grandes proporções, chegando a
- Page 66 and 67: 65Nas imagens, vemos crianças banh
- Page 68 and 69: 675. A CAPOEIRAGEM EM TEMPOS DE MOD
- Page 70 and 71: 69pessoal e o bem-estar da comunida
- Page 72 and 73: 71Entendemos, portanto, que, nas re
- Page 74 and 75: 73principalmente no que diz respeit
- Page 76 and 77: 75consumo se tornaram mais intensos
- Page 78 and 79: 77Os movimentos sociais conquistara
- Page 80 and 81: 79atabaque, que vai dar sustentaç
- Page 82 and 83: 81produz, simultaneamente, prática
- Page 84 and 85: 835.3. O corpo: das modelizações
- Page 86 and 87: 85capaz. Maquinações corporais,
- Page 88 and 89: 87O processo de desenvolvimento e a
- Page 90 and 91: 89(...) a prática desta ciência,
- Page 92 and 93: 91positividade, para potencializar
- Page 94 and 95: 93unicidade. Rupturas de sentido, c
- Page 96 and 97: 95Hoje, o berimbau é considerado o
- Page 98 and 99: 97Ao pai que nos criouAbençoe essa
- Page 100 and 101: 99Ainda com os corridos, os capoeir
- Page 102 and 103:
101relata um acontecimento que expr
- Page 104 and 105:
103cada pessoa que compõe a roda.
- Page 106 and 107:
105resposta mínima, onde pensament
- Page 108 and 109:
1076.3. A produção da malícia e
- Page 110 and 111:
109Pepinha fala dessa construção
- Page 112 and 113:
111a ser o protagonista de si mesmo
- Page 114 and 115:
113dos ritmos e da dança na diásp
- Page 116 and 117:
115se estabelecem no plano macro da
- Page 118 and 119:
117quer de modo mais coletivo)” (
- Page 120 and 121:
119compõe a capoeiragem. Em nosso
- Page 122 and 123:
121o respeito à linhagem de mestre
- Page 124 and 125:
123uma malta rival. Na contemporane
- Page 126 and 127:
125No cruzamento dos diferentes asp
- Page 128 and 129:
127Foucault (1986) o poder não é
- Page 130 and 131:
129por associarem a capoeira ao pec
- Page 132 and 133:
131diversos. Suas apresentações l
- Page 134 and 135:
133coloca-se continuamente à prova
- Page 136 and 137:
135microscópico, o qual, no entant
- Page 138 and 139:
137REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASACES
- Page 140 and 141:
139GALEANO, Eduardo. As palavras an
- Page 142:
141REIS, Letícia Vidor de Sousa. O