835.3. O corpo: das mo<strong>de</strong>lizações dominantes às maquinações <strong>de</strong> resistênciaFoucault (1987) afirma que o exercício do po<strong>de</strong>r sempre perpassa o corpo. Nasocieda<strong>de</strong> disciplinar, eram utilizadas técnicas minuciosas para o investimento emsua docilida<strong>de</strong>, extorsão <strong>de</strong> sua força e crescimento <strong>de</strong> sua utilida<strong>de</strong>. Com asdisciplinas, nasce uma relação que fabrica corpos submissos, um mecanismo que,ao mesmo tempo, aumenta suas forças em termos <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> econômica e reduzessas mesmas forças em termos políticos e <strong>de</strong> obediência. Ou seja, a disciplina “(...)dissocia o po<strong>de</strong>r do corpo, faz <strong>de</strong>le por um lado uma ‘aptidão’, uma ‘capacida<strong>de</strong>’ queela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia que po<strong>de</strong>ria resultar disso efaz <strong>de</strong>la uma relação <strong>de</strong> sujeição estrita” (FOUCAULT, 1987, p.119)Segundo Bauman (2001), a vida, enquanto estava organizada em torno dopapel do produtor, tendia a ser normativamente regulada. Por meio <strong>de</strong> umabiopolítica, a saú<strong>de</strong> tornou-se o padrão que se <strong>de</strong>veria atingir para ser capaz <strong>de</strong><strong>de</strong>monstrar bom <strong>de</strong>sempenho nas relações <strong>de</strong> produção. Na socieda<strong>de</strong> em queemerge o imperativo do consumo, o que está em questão não é o padrão <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,mas o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> aptidão, que, segundo Bauman, assume significado diferente nacontemporaneida<strong>de</strong>: “estar apto significa ter um corpo flexível, absorvente eajustável, pronto para viver sensações ainda não testadas (...)” (BAUMAN, 2001, p.91).Nesse sentido, a aptidão, em contraponto à saú<strong>de</strong>, não se refere a um padrãocorporal específico, mas a seu potencial <strong>de</strong> expansão da capacida<strong>de</strong> corporal, <strong>de</strong>quebrar a norma e superar os padrões, em uma busca sem fim, <strong>de</strong> modo que nuncaestaremos suficientemente aptos. Conforme o autor, na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumidoresorganizada pela sedução, <strong>de</strong>sejos e quereres voláteis, sem regulação normativa,não há intenção <strong>de</strong> controle rígido dos comportamentos, das ações, masmodulações nas formas <strong>de</strong> lidar com o corpo.Os estados do corpo, sempre renovados, tornam-se alavanca para inúmeras<strong>de</strong>mandas mercadológicas: intervenções médicas, novos spas, exercícios nasaca<strong>de</strong>mias, mo<strong>de</strong>lizações siliconadas, cápsulas <strong>de</strong> vitaminas, anabolizantes para<strong>de</strong>finir os músculos, dietas saudáveis para emagrecer, roupas conforme astendências da moda, tudo em busca do corpo como o dos mo<strong>de</strong>los da televisão. Emsuma, buscar aptidão requer atitu<strong>de</strong> positiva, ação e, numa socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>
84consumidores, quase toda ação tem um custo: requer mecanismos e ferramentasespeciais, que só o mercado po<strong>de</strong> oferecer.Sant’Anna (2001) salienta a relação entre corpo e consumo, principalmentequando os apelos são dirigidos à beleza. Nos dias <strong>de</strong> hoje, a publicida<strong>de</strong> absorve odireito à privacida<strong>de</strong> e a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser homem ou mulher, rima com a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>ser fotogênico para todos e para si mesmo, em todas as circunstâncias. Énecessário ser sensual e belo da cabeça aos pés, todas as horas do dia, todos osdias da semana. O corpo correspon<strong>de</strong> àquilo que sou, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente dasconfigurações genéticas ou <strong>de</strong> raça, como um objeto, uma imagem, uma marca, emconsonância com as flutuações do mercado.Por conseguinte, enquanto o corpo é atravessado pelas modulações <strong>de</strong>beleza e aptidão contemporâneas, na medida em que é reconstruído para aten<strong>de</strong>ràs necessida<strong>de</strong>s e vaida<strong>de</strong>s individuais, ten<strong>de</strong> a ecoar exclusivamente para simesmo. “Por vezes homens e mulheres se vêem isolados como se estivessem empleno <strong>de</strong>serto com seus corpos em plena forma” (SANT’ANNA, 2001, p. 69).A experiência da capoeira conecta-se a esse contexto, numa perspectiva <strong>de</strong>reprodução e sujeição à lógica capitalística, praticada com intuito <strong>de</strong> formataçãocorporal, <strong>de</strong>lineamento muscular; com vivências que favorecem a exibição <strong>de</strong>performances individuais. Essas características aparecem principalmente na<strong>Capoeira</strong> Regional, que vem se matizando e ganhando contornos propícios às<strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> consumo, conforme abordamos anteriormente.Constatamos o quanto as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r operam sobre o corpo. Todavia,é também através do corpo que as resistências se constituem, se engendram:(...) sobre o corpo se encontra o estigma dos acontecimentos passados domesmo modo que <strong>de</strong>le nascem os <strong>de</strong>sejos, os <strong>de</strong>sfalecimentos e os erros;nele também eles se atam e <strong>de</strong> repente se exprimem, mas nele tambémeles se <strong>de</strong>satam, entram em luta, (...) O corpo superfície <strong>de</strong> inscrição dosacontecimentos, lugar <strong>de</strong> dissociação do Eu, volume em perpétuapulverização (FOUCAULT, 1986, p.22).Nessa perspectiva, o corpo não é apenas o corpo físico, biológico, mas asligações estabelecidas entre superfícies, forças e energias particulares; é o corpoatravés do qual emergem acontecimentos em pulverizações que rompem contornose abrem uma constelação <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s. De acordo com Rose (2001), em vez <strong>de</strong>“o corpo”, tem-se uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> máquinas possíveis, agenciamentos <strong>de</strong>humanos com outros elementos e materiais; diversas maquinações <strong>de</strong> que o corpo é
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