675. A <strong>CAPOEIRA</strong>GEM EM TEMPOS DE MODERNIDADE LÍQUIDAConforme as elaborações apresentadas, observamos que a capoeira surgecomo resistência no contexto brasileiro, engendrando processos <strong>de</strong> invenção, com aassociação <strong>de</strong> diversos aspectos como dança, música, luta, criação das formas <strong>de</strong>viver e lutar por liberda<strong>de</strong>. Na experiência da Associação <strong>de</strong> <strong>Capoeira</strong> Lenço <strong>de</strong>Seda, em um contexto no qual havia um estado <strong>de</strong> dominação associado atecnologias <strong>de</strong> governo disciplinares, a capoeiragem funcionava como catalisador <strong>de</strong>forças e produzia um ethos guerreiro, articulando resistência enquanto contra-força einvenção.Entretanto, ao consi<strong>de</strong>rarmos as transformações na prática da capoeiragem,observamos que as rodas que emergiam nas senzalas, nas ruas, como instrumento<strong>de</strong> luta e <strong>de</strong> ludicida<strong>de</strong>, como “uma das expressões utilizadas pelos negros naconstrução <strong>de</strong> seus espaços <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> suas tradições culturais”(CRUZ, 1996 p. 25) ou como movimento catalisador e propulsor para criação <strong>de</strong>diferenças na vida da cida<strong>de</strong>, acontecem hoje, na maioria das vezes, nasaca<strong>de</strong>mias, escolas, universida<strong>de</strong>s.Na contemporaneida<strong>de</strong>, a capoeira é praticada, muitas vezes como umaopção <strong>de</strong> “ginástica” que possibilita melhor <strong>de</strong>finição corporal, em sintonia commo<strong>de</strong>lizações capitalistas. Diante <strong>de</strong>ssas mudanças, perguntamos: como as práticas<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r hegemônicas atravessam, hoje, a capoeira? Ainda po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rá-lauma prática <strong>de</strong> resistência? Em quais circunstâncias emerge a resistência nacapoeira contemporânea? Para buscarmos respostas a essas questões, énecessário investigar as configurações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r na contemporaneida<strong>de</strong> e as formas<strong>de</strong> resistência nos atravessamentos com a capoeiragem.São múltiplas as leituras que se apresentam, assim como são diversas asexpressões utilizadas para <strong>de</strong>nominar o momento contemporâneo. Em nossotrabalho, optamos pelo termo “mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> líquida” cunhado por Bauman (2001).Utilizando o adjetivo “líquida” para caracterizar a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> contemporânea, oautor dá ênfase à flui<strong>de</strong>z, ao movimento, às modulações que observamos nessetempo. Os líquidos - varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fluidos - não fixam o espaço nem pren<strong>de</strong>m o
68tempo, não mantêm a forma com facilida<strong>de</strong>, estando sempre prontos a mudá-la. Aliquefação ou a flui<strong>de</strong>z é uma das principais características do tempo presente. Noentanto, ao manter o termo mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, o autor <strong>de</strong>staca que alguns parâmetros <strong>de</strong>hoje continuam referenciados nas matrizes mo<strong>de</strong>rnas, principalmente o princípio daindividualida<strong>de</strong>, da autonomia.Observamos, na contemporaneida<strong>de</strong>, um processo <strong>de</strong> exacerbação daindividualização, através da transformação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> humana em uma tarefa: osindivíduos são responsabilizados pela realização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s e por suasconseqüências, convocados para performances contínuas, diante das infinitaspossibilida<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>spontam na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo, numa ciranda que nãotem fim. Dito <strong>de</strong> outro modo, as pessoas são convocadas à ação mediantecondições e possibilida<strong>de</strong>s diferentes, responsabilizadas individualmente por seusucesso ou fracasso. Assim, aqueles que não conseguem ingressar no mundo dotrabalho são responsabilizados por não <strong>de</strong>senvolver sua formação contínua; quandose encontram na miséria, são culpados e estigmatizados como incapazes oupreguiçosos.Nessa perspectiva, a individualização aparece como oposição à cidadania, oulenta <strong>de</strong>sintegração <strong>de</strong>la. Partindo do pressuposto <strong>de</strong> que cidadão é aquele quebusca seu bem-estar pessoal articulado ao bem-estar da cida<strong>de</strong>, o indivíduocontemporâneo distancia-se da cidadania na medida em que se ocupa dasperformances individuais e ten<strong>de</strong> a ser cético quanto ao bem-comum. Em tempos <strong>de</strong>mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> líquida, a tarefa <strong>de</strong> construir uma nova or<strong>de</strong>m não está na agenda,pelo menos não na agenda política, pois a situação atual emergiu do <strong>de</strong>rretimentodos sólidos pré-mo<strong>de</strong>rnos, sem a perspectiva <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> novos mol<strong>de</strong>s.Os sólidos que estão para ser lançados no cadinho e os que estão<strong>de</strong>rretendo neste momento, o momento da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> fluida, são os elosque entrelaçam as escolhas individuais em projetos e ações coletivas - ospadrões <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação entre as políticas <strong>de</strong> vidaconduzidas individualmente, <strong>de</strong> um lado, e as ações políticas <strong>de</strong>coletivida<strong>de</strong>s humanas, <strong>de</strong> outro (BAUMAN, 2001, p.12).Portanto, com a exacerbação do individualismo e o esvaziamento das açõespolíticas coletivas, observamos que as ações revolucionárias já não estão em pautaou não têm a mesma força para mobilizar pessoas dispostas a mudar planosindividuais em favor <strong>de</strong> projetos coletivos. A experiência da Lenço <strong>de</strong> Seda, que seproduzia tendo como eixo fundamental a articulação entre a busca do bem-estar
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