O TeaTrO GreGO em COnTexTO de represenTaçãO - Universidade ...
O TeaTrO GreGO em COnTexTO de represenTaçãO - Universidade ...
O TeaTrO GreGO em COnTexTO de represenTaçãO - Universidade ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
O <strong>TeaTrO</strong> <strong>GreGO</strong> <strong>em</strong> <strong>COnTexTO</strong> <strong>de</strong> <strong>represenTaçãO</strong><br />
(1991: 21) que lhe confere esta função, ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r que o coro<br />
<strong>de</strong>via ser entendido como a personificação <strong>de</strong> uma meditação<br />
sobre a ação da peça, a encarnação do poeta como voz da hu‑<br />
manida<strong>de</strong>, a figura que atenuava os acontecimentos chocantes<br />
da ação, evi<strong>de</strong>nciando, através da música, as próprias <strong>em</strong>oções<br />
da audiência e conduzindo‑a ao domínio cont<strong>em</strong>plativo. De<br />
igual forma, Rehm (1992: 60‑61) 29 atribui‑lhe o mesmo papel,<br />
ao conceber que o coro era livre para apoiar, ignorar, questionar<br />
ou rejeitar as atitu<strong>de</strong>s das personagens centrais. Acresce ainda<br />
o facto <strong>de</strong>, enquanto espectador i<strong>de</strong>al, o coro cumprir também<br />
a função catártica da tragédia, como é visível, por ex<strong>em</strong>plo,<br />
quando, ao perscrutar as palavras agoirentas <strong>de</strong> Cassandra, no<br />
Agamémnon <strong>de</strong> Ésquilo, e ao apiedar‑se da personag<strong>em</strong>, afirma:<br />
“O teu <strong>de</strong>stino cruel fere‑me como uma mor<strong>de</strong>dura mortal,<br />
quando te ouço gritar as notas lamentosas que me part<strong>em</strong> o<br />
coração” (vv. 1164‑66) 30 .<br />
O coro era também um intermediário entre o mundo fic‑<br />
cional da peça e a realida<strong>de</strong> da audiência, já que por natureza,<br />
composição e colocação física, pertencia simultaneamente ao<br />
mundo da peça e ao mundo da audiência 31 e, por isso, são muitas<br />
as situações <strong>em</strong> que, como mediador entre estes dois mundos,<br />
nos <strong>de</strong>paramos com o coro a relatar e a rel<strong>em</strong>brar à audiência<br />
acontecimentos vários. Além disso, funcionava como veículo<br />
para a universalização da história, já que, enquanto comenta‑<br />
dor, transcendia regularmente os limites da sua caracterização,<br />
estabelecendo a relação entre a ação <strong>em</strong> concreto, que os es‑<br />
pectadores presenciavam, e um s<strong>em</strong> número <strong>de</strong> outras histórias<br />
e situações ocorridas noutras épocas e noutros contextos, <strong>de</strong><br />
forma a evi<strong>de</strong>nciar a at<strong>em</strong>poralida<strong>de</strong> dos princípios <strong>de</strong>fendi‑<br />
dos e dos t<strong>em</strong>as retratados. É neste sentido que Zimmermann<br />
(1991: 21) advoga que vê no coro não a individualida<strong>de</strong>, mas<br />
um conceito geral, representado materialmente e cuja presen‑<br />
ça corporal afetava profundamente os sentidos. Assim, este<br />
mesmo coro, variadas vezes, abandonava a ação central para<br />
meditar no passado e no futuro, <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos e povos distantes,<br />
na própria humanida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> forma a concluir gran<strong>de</strong>s verda<strong>de</strong>s<br />
29 Para além <strong>de</strong> espectador i<strong>de</strong>al, Rehm afirma ainda que o coro repre‑<br />
sentava a cida<strong>de</strong>, o comum dos homens e das mulheres, a visão do século<br />
V a.C., por oposição ao ethos arcaico dos heróis retratados.<br />
30 Tradução <strong>de</strong> Manuel <strong>de</strong> Oliveira Pulquério (Lisboa, Edições 70, 1998).<br />
31 Vi<strong>de</strong> Wiles (1997: 123).<br />
110