Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras
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que se l<strong>em</strong>brou <strong>de</strong> que tinha um padrinho exilado <strong>em</strong> Londres, os amigos cotizaram-me,<br />
“achei que era a altura <strong>de</strong> conhecer o <strong>de</strong>mônio da família”, p. 38.<br />
A afirmação “tenho muito para pensar” já <strong>de</strong>monstra os indícios <strong>de</strong> sua<br />
trajetória, assim como a <strong>de</strong>cisão <strong>em</strong> procurar o “<strong>de</strong>mônio da família”, a saber, Gabriel.<br />
Essa busca por Gabriel é um misto <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong>: conhecer o amor que a mãe não<br />
concretizou, o padrinho que nunca foi apresentado pelos pais, com base no afastamento<br />
que José impôs, <strong>de</strong>vido aos ciúmes; e um realce quanto à arbitrarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua<br />
personalida<strong>de</strong> <strong>em</strong> relação a repulsa à dominação, à qual até então havia se submetido.<br />
O envolvimento com Gabriel, que resultou numa relação estável e marital, é uma<br />
das características <strong>de</strong> libertação da personag<strong>em</strong>. Diferente das mulheres <strong>de</strong> seu t<strong>em</strong>po,<br />
Paula dá voz às muitas vozes que representa: as muitas mulheres <strong>de</strong> sua época<br />
submetidas a um conjunto <strong>de</strong> dominação política e social, envolvidas nas questões <strong>de</strong><br />
ditadura, guerra e revolução. Além <strong>de</strong> sua relação com o padrinho fugir totalmente às<br />
regras da socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> questão, havia também a corag<strong>em</strong> <strong>de</strong> envolver-se com alguém<br />
que a família repudiou. Em outras palavras, foi <strong>de</strong> encontro às objeções impostas pelo<br />
pai e pelo irmão.<br />
Apesar <strong>de</strong> Paula ter conquistado a liberda<strong>de</strong> que sua época buscava, sua relação<br />
com o irmão Pedro s<strong>em</strong>pre foi instigada por uma espécie <strong>de</strong> compaixão por ele: Tudo o<br />
que nesse momento queria era não ter <strong>de</strong> sentir pena do irmão, sentia quase como uma<br />
vergonha a pena que estava a sentir por ele, p. 81.<br />
Ela sabia que Pedro era fraco e que precisava <strong>de</strong>la quase todo o t<strong>em</strong>po para<br />
livrar-se dos apuros <strong>em</strong> que se envolvia, e, mais do que isso, sabia que seria difícil<br />
livrar-se das mentiras que havia nutrido s<strong>em</strong> que ela lhe ajudasse, <strong>de</strong> certa forma; causa<br />
disso era o que s<strong>em</strong>pre estava por perto, cheio <strong>de</strong> ameaças e chantagens: Des<strong>de</strong><br />
pequena, se calhar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> antes <strong>de</strong> nascer<strong>em</strong>, que a sua lealda<strong>de</strong> tinha ido para ele, a<br />
sua própria existência confundia-se com a <strong>de</strong>le, era a mesma existência por diferentes<br />
que foss<strong>em</strong> um do outro, p. 81<br />
Foi Paula qu<strong>em</strong> o encontrou no apartamento, <strong>em</strong> frangalhos, quando chegou <strong>de</strong><br />
Londres. O irmão estava <strong>em</strong> estado lastimável, numa combinação <strong>de</strong> tubos <strong>de</strong> Pervitins<br />
e whisky: “Pois é, parece um cineclubista. Vá, duche <strong>de</strong> água fria e barba feita. Para<br />
dar as boas vindas à sua irmã”, p. 76. E logo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> colocar o irmão <strong>em</strong> or<strong>de</strong>m,<br />
afirma ironicamente:<br />
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