Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras
Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras
Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
sentimentos entre duas pessoas, a saber ela e Paula. Embora ele tenha acreditado que a<br />
moça <strong>de</strong> “horizontes limitados” tinha sido escorraçada <strong>de</strong> sua vida, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter-se<br />
submetido ao aborto, ela retornou anos <strong>de</strong>pois, toda triunfante, com o filho, justamente<br />
quando Pedro estava <strong>em</strong> fracasso. Com a ajuda <strong>de</strong>la ele se tornou um médico muito<br />
conceituado, mas acabou por se transformar numa espécie <strong>de</strong> fantoche <strong>em</strong> suas mãos,<br />
quando ce<strong>de</strong>u a todos os seus caprichos e suas vonta<strong>de</strong>s, ou seja, é Fernanda, a partir<br />
daqui, qu<strong>em</strong> controla a situação.<br />
Verifica-se, nessa personag<strong>em</strong>, mais uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> se liberta da<br />
dominação, <strong>em</strong>bora sua trajetória não seja <strong>de</strong>talhada pelo narrador, como a <strong>de</strong> Paula,<br />
n<strong>em</strong> tampouco é uma personag<strong>em</strong> dotada <strong>de</strong> valores positivos. Fernanda foi uma das<br />
“cartas” utilizadas por ele para inverter o jogo, a história.<br />
As personagens José, Ana e Pedro, como vimos, não obtiveram a mesma<br />
libertação e a ascensão <strong>de</strong> Fernanda e Paula. São as vozes que ecoam a i<strong>de</strong>ologia da<br />
ditadura, da repressão e da dominação masculina. Ana é uma personag<strong>em</strong> que está<br />
numa linha tênue entre as duas i<strong>de</strong>ologias, dominada e libertadora.<br />
Por ter escolhido abandonar a carreira <strong>de</strong> advogada, acompanhar o marido nas<br />
<strong>em</strong>preitadas não lícitas, e, sobretudo, por tê-lo escolhido ao invés <strong>de</strong> Gabriel, tornou-se<br />
frustrada e <strong>de</strong>positou todos os seus <strong>de</strong>sejos não realizados <strong>em</strong> Paula. Embora reclamasse<br />
constant<strong>em</strong>ente da vida que levava, Ana não se libertou das amarras <strong>em</strong> que José a<br />
mantinha. José e Pedro estão inseridos na mesma i<strong>de</strong>ologia, no papel <strong>de</strong> dominadores.<br />
Essas três personagens perpetuam a concepção da i<strong>de</strong>ologia patriarcal e são vozes que<br />
ecoam o processo <strong>de</strong> incorporação inconsciente <strong>de</strong> tal i<strong>de</strong>ologia.<br />
Paula e Fernanda, ao contrário, são vozes que ecoam a liberda<strong>de</strong>, e personificam<br />
a metáfora <strong>de</strong> uma in<strong>de</strong>pendência política e a representação da trajetória <strong>de</strong> várias<br />
mulheres <strong>de</strong>ssa época.<br />
Vimos que esse processo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologia dominante está diretamente relacionado à<br />
violência simbólica, conforme mencionamos, segundo a perspectiva <strong>de</strong> Bourdieu<br />
(2007). A i<strong>de</strong>ologia é uma forma <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong> <strong>em</strong> que o dialogismo se faz evi<strong>de</strong>nte,<br />
tal qual <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> Bakhtin. Conforme seus ensinamentos, o sujeito é puramente dialógico.<br />
Acerca disso, Fiorin (2006) explica:<br />
A consciência constrói-se na comunicação social, ou seja, na<br />
socieda<strong>de</strong>, na História. [...] A apreensão do mundo é s<strong>em</strong>pre situada<br />
63<br />
historicamente, porque o sujeito está s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> relação com outro(s).