Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras

Mas, é na inevitável discussão que os irmãos têm, causada por uma carta
entregue por um representante de Ricardo Vale, que Paula deixa vir à tona toda sua
indignação a todas as ofensas e dominações provindas de Pedro. Nesse momento o
narrador nos mostra a libertação total da personagem, em meio a choros e devaneios.
Trata-se da grandiosa frase, proferida por Paula, que antecede o estupro, por assim
desencadeá-lo: “Sabes o que é que eu não consigo mesmo perdoar-te, Pedro? É que tu
és irremediavelmente, irrecuperavelmente menor. Apenas um pobre-diabo...”, p. 209.
Mesmo depois de ocorrer o estupro, Paula ainda se mostra firme em suas convicções e
seus ideais. Ela não se deixa abalar pela violência imposta por Pedro, nem tampouco
pela carga opressora que sofreu desde sua criação, assim como toda a atmosfera
ditadora em que esteve envolvida. Anos mais tarde, ela conta à filha Filipa sobre o
estupro com muita espontaneidade, o que lhe confere, ainda mais, habilidade para lidar
com a opressão e a dominação.
Dessa forma, Paula é a única personagem que obtém ascensão detalhada pelo
narrador, do início ao fim do romance, o que não acontece com o destino dos demais
personagens, com exceção de Fernanda, que aparece no início da história como fantoche
de Pedro, e retorna depois, grandiosa, em posição oposta.
Conforme observamos, a busca por Gabriel em Londres, o envolvimento com as
artes e a pós-graduação em Paris conferem a Paula estratégias de resistência a uma
ideologia dominadora, a qual viola todas as regras impostas pelo poder patriarcal e pelo
regime ditatorial da época, ou seja, foi unir-se a um homem mais velho, exilado de
Portugal em Londres, o espaço perfeito, que configura o lugar de encontro das
diferenças propício para se constituir uma identidade livre e independente.
Paula é uma espécie de metáfora da independência das mulheres oprimidas por
toda a herança dominadora de uma sociedade ditatorial; presumida de forma sutil e
conquistada lentamente, como a revolução de sua época. Essa personagem é uma voz
que ecoa liberdade e propulsão no romance, induzidas pela voz do narrador, o que nos
permite a constatação da ausência da polifonia, conforme as características expostas por
Bakhtin.
Sendo assim, retornando aos estudos do filósofo acerca da polifonia para melhor
exemplificarmos suas características, ela é co-integrante do dialogismo, pois as
personagens criadas não concordam com o narrador, o que faz com que o autor organize
o texto de forma que o leitor possa criar a hipótese de que há uma variante de
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