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Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras

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Sim, acabei tudo com Fernanda. Eliminei-a da minha vida. Segui os<br />

vossos bons conselhos. Não amarrei o meu futuro a uma provinciana<br />

convencional e gananciosa <strong>de</strong> africanistas benesses que nunca me<br />

po<strong>de</strong>ria acompanhar nos meus sublimes vôos. Mas a provinciana<br />

tinha <strong>de</strong>sprezado as convenções. Ficou grávida. Insisti num aborto.<br />

Fiz-lhe promessas. Casamento logo que acabasse o curso. Entretanto<br />

chegaram as vossas cartas. Os bons conselhos mais o cheque da<br />

mesada. Tirei o resto da mesada da Paula. Que não fez perguntas,<br />

mas <strong>de</strong>ixou. Aceita s<strong>em</strong>pre tudo. Não quer saber <strong>de</strong> nada. Foi o<br />

suficiente para pagar um aborto s<strong>em</strong>i-profissional. N<strong>em</strong> sequer a<br />

acompanhei. Por medo da Or<strong>de</strong>m dos Médicos. A que talvez nunca<br />

venha a pertencer. E o pior v<strong>em</strong> a seguir. Escrevi-lhe. Uma carta<br />

muito clínica a explicar que o filho nunca po<strong>de</strong>ria ter sido meu. Por<br />

esterilida<strong>de</strong> comprovável com certificados médicos. O dinheiro para<br />

o aborto fora um gesto final <strong>de</strong> compaixão. Uma <strong>de</strong>spedida triste.<br />

Decepcionada. Definitiva. Fui firme. Fui generoso. Não fiz<br />

julgamentos morais. Fui magnânimo. Sou isto. Há três dias fechado<br />

<strong>em</strong> casa. Com medo <strong>de</strong> ser o que sou. E ela tão gananciosa que me<br />

<strong>de</strong>volveu o dinheiro do aborto. Que só Deus sabe como terá<br />

conseguido pagar. Num envelope s<strong>em</strong> carta. S<strong>em</strong> uma palavra. Ela é<br />

que po<strong>de</strong> ficar estéril. Acontece às vezes quando essas coisas são<br />

malfeitas. E pelo preço este <strong>de</strong>ve ter sido <strong>de</strong> carniceiro, p. 62-63.<br />

Pelo discurso <strong>de</strong> Pedro verificamos, mais uma vez, como se faz presente o<br />

pensamento dominador <strong>em</strong> que estava aprisionado. De acordo com suas concepções,<br />

que, como v<strong>em</strong>os, são estritamente patriarcais, Fernanda era a única responsável por ter<br />

engravidado. E, mais do que isso, à moça era conferido o posto <strong>de</strong> <strong>de</strong>pravada por ter-se<br />

<strong>de</strong>ixado engravidar: “mas a provinciana tinha <strong>de</strong>sprezado as convenções”. Conforme<br />

Bourdieu (2007) explica, somente às mulheres, segundo as or<strong>de</strong>ns estabelecidas pela<br />

socieda<strong>de</strong> patriarcal, é dado o senso <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> por engravidar ou não. Ao<br />

hom<strong>em</strong> caberia a responsabilida<strong>de</strong> apenas <strong>de</strong> gerar, estando ele <strong>de</strong>ntro das atribuições<br />

<strong>de</strong> sua virilida<strong>de</strong>, caso o <strong>de</strong>scuido <strong>de</strong> uma gravi<strong>de</strong>z in<strong>de</strong>sejável ocorresse. Nesse caso, a<br />

responsabilida<strong>de</strong> seria atribuída primeiramente à mulher, por não ter se mantido virg<strong>em</strong><br />

até o casamento.<br />

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