Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras
Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras
Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Bravo, isso mesmo! Agora já po<strong>de</strong>mos ir à rua <strong>de</strong>spejar o lixo e<br />
comprar velas, antes que anoiteça.[...] E também fruta [...] queijo,<br />
leite e pão. E flores. Depois ponho a mesa como dantes e faz<strong>em</strong>os<br />
um piquenique à luz da vela. Tens <strong>de</strong> me ajudar, Pedro, não consigo<br />
carregar tudo sozinha. Tu sabes que preciso s<strong>em</strong>pre da tua ajuda, sou<br />
uma menina muito frágil, não te l<strong>em</strong>bras?, p. 77<br />
Uma das formas <strong>de</strong> não se confrontar com Pedro era não fazer isso <strong>em</strong><br />
momentos <strong>de</strong> tensão ou discussão. Ela procurava não alimentar discussões com o irmão,<br />
e nesses momentos s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong>sviava qualquer provocação que ele pu<strong>de</strong>sse oferecer.<br />
A<strong>de</strong>mais, as várias ofensas que Pedro fazia a ela eram por meio do discurso, mas Paula<br />
não atribuía <strong>de</strong>masiada importância a nenhuma <strong>de</strong>ssas provocações, como v<strong>em</strong>os no<br />
trecho <strong>em</strong> que Pedro profere palavras pesadas <strong>de</strong> ódio contra ela, quando discut<strong>em</strong>, no<br />
retorno <strong>de</strong>le para Lisboa, já fracassado, sobre o suposto aborto <strong>de</strong> Fernanda. Pedro<br />
nunca havia falado para ela sobre o ocorrido, mas percebeu que a irmã, que ele julgava<br />
tola, s<strong>em</strong>pre soube <strong>de</strong> tudo, como se po<strong>de</strong> ver no seguinte diálogo:<br />
Por quê? És contra o aborto? Nunca fizeste? Tu? Ou só tu tens o<br />
direito, como <strong>em</strong> tudo? Ou julgas que lá porque agora estou s<strong>em</strong> nada<br />
me po<strong>de</strong>s tratar assim? É indigno! É miserável!<br />
[...] Ou levas habitualmente no cu para evitar? “Pois é”, disse ela<br />
apenas. “Pois é”. E como pu<strong>de</strong>sse parecer uma confissão <strong>de</strong> que sim<br />
quase riu , o que teria agravado a ofensa. Mas tinha um longo<br />
traquejo <strong>de</strong> como lidar com agressões masculinas e acabou por<br />
neutralizar a do irmão num vago gesto <strong>de</strong> que importância t<strong>em</strong> isso:<br />
“Deixa lá, Pedro. Pois é”, p. 152.<br />
Conforme o narrador explica, o “traquejo” era uma das armas utilizadas pela<br />
personag<strong>em</strong> para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se dos ataques constantes <strong>de</strong> Pedro, da mesma forma <strong>de</strong><br />
quando <strong>de</strong>corriam do pai. Mas a compaixão que sentia por Pedro, pelo fato <strong>de</strong> ser seu<br />
irmão, gêmeo, era o elo que lhe dava disposição para ainda amá-lo, apesar <strong>de</strong> todas as<br />
ofensas e formas <strong>de</strong> dominação que ele s<strong>em</strong>pre lhe impôs. Paula <strong>de</strong>u-lhe a mão, como<br />
quando eram pequenos, como quando era para ele a proteger a ela, e foram subindo a<br />
Avenida <strong>de</strong> mãos dadas, p. 153.<br />
31