Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras
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sossegada e confortável na bela casa <strong>de</strong> Lourenço Marques com vista<br />
para mar e criados <strong>de</strong> confiança. Por mais que José lhe <strong>de</strong>monstrasse<br />
o até pacifismo sujacente à sua política dos espíritos, a base que<br />
po<strong>de</strong>ria constituir para a criação <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> multirracial <strong>de</strong><br />
fato viável e permanente, Ana apenas repetia, monocórdica,<br />
obsessiva: “Pi<strong>de</strong> é Pi<strong>de</strong>, Pi<strong>de</strong> é Pi<strong>de</strong>”p. 65-96<br />
Como observamos <strong>em</strong> mas que não se inquietasse, Ana não <strong>de</strong>veria reclamar,<br />
pois <strong>de</strong>veria ter-se por contente e satisfeita <strong>em</strong> <strong>de</strong>sfrutar a bela casa com vista para o<br />
mar, e todo o conforto, presumido pela ausência dos trabalhos domésticos, atribuídos<br />
aos criados. Entretanto, ela não conseguia, com todas as suas objeções, <strong>de</strong>sviar o marido<br />
dos novos i<strong>de</strong>ais que ele então escolhia.<br />
O fato <strong>de</strong> ela não concordar com essa nova função o <strong>de</strong>ixava preocupado. Por<br />
mais que sua convicção dominadora o instigasse a não escutar a esposa, mantinha uma<br />
luta interna, na qual sabia que seu comportamento po<strong>de</strong>ria não ser o mais a<strong>de</strong>quado;<br />
porém, o orgulho masculino não o <strong>de</strong>ixava admitir isso, a ponto <strong>de</strong> mudar seu<br />
comportamento.<br />
Sobre a insistência da esposa <strong>em</strong> achá-lo uma peça nas mãos do governo ditador,<br />
ele apenas pensava que por <strong>de</strong>trás daquele tipo <strong>de</strong> trabalho havia, ainda, uma parte <strong>de</strong><br />
seus i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> quando era jov<strong>em</strong>, época <strong>em</strong> que sonhava com a libertação política.<br />
E por se tratar <strong>de</strong> uma luta interna, ele se sentia culpado por não conseguir dar o<br />
que a esposa e a filha requisitavam: a <strong>de</strong>vida recuperação da própria moralida<strong>de</strong>, mas<br />
mesmo assim exigia que elas aceitass<strong>em</strong>, acima <strong>de</strong> qualquer suspeita, seu trabalho <strong>de</strong><br />
recuperação dos negros, e sequer admitia que o questionass<strong>em</strong>.<br />
V<strong>em</strong>os que, apesar da dúvida que ele tinha acerca <strong>de</strong> seu trabalho, jamais<br />
po<strong>de</strong>ria aceitar que a esposa e a filha pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> tê-la também. É nesse prisma que se<br />
torna evi<strong>de</strong>nte o processo <strong>de</strong> dominação, incutido <strong>de</strong> forma inconsciente. A forma <strong>de</strong><br />
pensar sobre a vida era totalmente patriarcal, e isso ocorria <strong>de</strong> forma natural, o que<br />
<strong>de</strong>monstra a separação dos sexos e suas atribuições, no que se espera para o masculino e<br />
para o f<strong>em</strong>inino.<br />
Com referência à <strong>de</strong>limitação entre o masculino e o f<strong>em</strong>inino é que observamos<br />
as personagens <strong>de</strong> Macedo, segundo nossa proposta <strong>de</strong> trabalho. José carrega uma<br />
herança provinda <strong>de</strong> t<strong>em</strong>pos r<strong>em</strong>otos, e reflete <strong>em</strong> suas atitu<strong>de</strong>s, <strong>em</strong> seu modo <strong>de</strong> viver,<br />
pensar e agir as caracterísiticas <strong>de</strong> dominação tidas como naturais no meio <strong>em</strong> que<br />
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