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Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras

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Vive num mundo irreal, a vossa mãe. Não é controlável e por vezes<br />

faz-me aceitar o inaceitável só para a pacificar. Tu, que praticamente<br />

já és médico, po<strong>de</strong>rás enten<strong>de</strong>r como é difícil. O meu receio é que a<br />

filha tenha herdado o <strong>de</strong>sequilíbrio da mãe p. 71-72.<br />

É bastante evi<strong>de</strong>nte, nessas palavras, que José tinha a esposa, e sobretudo a filha,<br />

como mulheres que não têm o direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir acerca <strong>de</strong> si mesmas. Paula era acusada<br />

por ele <strong>de</strong> leviana e libertina por tentar seguir a vida conforme seus i<strong>de</strong>ais, enquanto<br />

Ana via na filha a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conquista daquilo que não teve, pois havia <strong>de</strong>cidido<br />

seguir o marido, abandonar a profissão, e somente cuidar dos filhos.<br />

Paula era s<strong>em</strong>pre repreendida por José, uma vez que ela seria a projeção dos<br />

i<strong>de</strong>ais da mãe; logo, o envolvimento com Gabriel, que Ana buscava, não se concretizou:<br />

Esse hom<strong>em</strong> é a maldição da minha vida, p. 103, diz o pai. Além disso, ele se culpava<br />

também por tentar manter a mulher e a filha sob suas ré<strong>de</strong>as, <strong>em</strong>bora não conseguisse:<br />

Ao ter <strong>de</strong> ren<strong>de</strong>r-se às razões <strong>de</strong> Pedro, José ficou ao menos satisfeito por o não ter<br />

alienado, como alienara a mulher, a saber que o não ia per<strong>de</strong>r, como tinha perdido a<br />

filha. “Qu<strong>em</strong> me <strong>de</strong>ra que a tua irmã tivesse teu carácter”, p. 103.<br />

Se Paula tivesse a mesma visão opressora <strong>de</strong> Pedro ela estaria vinculada ao rol<br />

das mulheres dominadas, como Ana, e por conseguinte seria mais fácil mantê-la sob<br />

or<strong>de</strong>ns, assim pensava José. Entretanto, Pedro era o único que teria, na visão do pai, o<br />

caráter idôneo digno <strong>de</strong> um hom<strong>em</strong> <strong>de</strong> b<strong>em</strong>, diferente <strong>de</strong> Paula, a filha rebel<strong>de</strong>.<br />

Para todo esse sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> culpa, Bourdieu (2007) explica que a imag<strong>em</strong> que<br />

homens e mulheres têm <strong>de</strong> si mesmos é uma espécie <strong>de</strong> imag<strong>em</strong> incorporada das<br />

estruturas históricas da or<strong>de</strong>m masculina, sob a forma <strong>de</strong> esqu<strong>em</strong>as inconscientes <strong>de</strong><br />

percepção e apropriação. Estaria <strong>de</strong>stinada aos homens a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuidados à<br />

família, <strong>em</strong> todos os gêneros. Essa cobrança é, <strong>em</strong> parte, herança recebida da<br />

historizicação da socieda<strong>de</strong>. E, nesse caso, José seria também, conforme Bourdieu<br />

afirma, vítima constante e inconsciente <strong>de</strong> tal sist<strong>em</strong>a opressor, conforme vimos.<br />

E tal culpa ainda lhe revolvia os pensamentos acerca da <strong>de</strong>sconfiança para com<br />

Gabriel, que nesse andamento da história já havia sido fadado a rival. O fato <strong>de</strong> Ana tê-<br />

lo preterido <strong>em</strong> razão do silêncio <strong>de</strong> Gabriel, e a <strong>de</strong>sconfiança <strong>de</strong> os gêmeos não ser<strong>em</strong><br />

seus filhos, mas filhos do outro, corroíam-no com o passar dos anos.<br />

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