Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras
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metafóricas. Uma ereção afinal é uma coisa muito precária, precisa<br />
<strong>de</strong> toda a ajuda que lhe possam dar.” Era uma verda<strong>de</strong> profunda que<br />
eu estava a aproveitar para reciclar <strong>de</strong> uma predadora donzela que<br />
gostava <strong>de</strong> assustar primeiro os homens com qu<strong>em</strong> ia para a cama. Eu<br />
concordara logo, e a sabichona ficara a olhar para mim entre divertida<br />
e <strong>de</strong>sconfiada com o que teria presumido ser a minha versão<br />
sofisticada da canção do bandido, rimos, nunca fomos, e continuamos<br />
amigos para o resto da vida, porque ela e os outros costumavam<br />
mastigar e cuspir os caroços. É certo que nessa altura apanhei logo<br />
nas ventas com a intervenção gabarolas <strong>de</strong> um marialva que também<br />
estava no grupo e com qu<strong>em</strong> ela foi, coitado, um bom rapaz, hoje<br />
uma ossada, p. 147.<br />
A predadora donzela referida, com ironia, é uma personag<strong>em</strong> qualquer, s<strong>em</strong><br />
nome, que retrata a sexualida<strong>de</strong> f<strong>em</strong>inina, e todos os riscos e seduções que estariam<br />
agregados a ela. Hel<strong>de</strong>r cita essa personag<strong>em</strong> para contrapor-se a Paula, que é,<br />
obviamente como ele <strong>de</strong>screve, mais serena e benévola. Mas há um <strong>de</strong>sejo não<br />
concretizado com Paula <strong>de</strong> talvez ter uma relação um tanto mais estreita com ela, e que<br />
realmente ficou apenas na vonta<strong>de</strong>, por isso sua imaginação o tornou ávido a construir a<br />
moça nos pormenores, [...] e já agora aproveito para esclarecer que o Gabriel t<strong>em</strong> pelo<br />
menos mais quinze anos do que eu e que se houvesse justiça neste mundo não seria ele<br />
qu<strong>em</strong> teria tido direito às preferências da Paula, p. 141.<br />
Certamente o <strong>de</strong>sejo não concretizado, <strong>de</strong> Hel<strong>de</strong>r, fez com que <strong>de</strong>finitivamente<br />
sua preferência por Paula ficasse evi<strong>de</strong>nte. E essa caracterização se presentifica na<br />
ambigüida<strong>de</strong> que constatamos acerca da construção <strong>de</strong>ssa personag<strong>em</strong>.<br />
Também a respeito <strong>de</strong>ssa caracterização, Hel<strong>de</strong>r utiliza uma espécie <strong>de</strong> projeção<br />
<strong>de</strong> um corpo sexuado, el<strong>em</strong>ento que a crítica f<strong>em</strong>inista muito t<strong>em</strong> a dizer, na imensidão<br />
do campo literário. No entanto, optamos por citar o conceito <strong>de</strong> corpo erotizado que<br />
Xavier (2007) propõe. Esse corpo representa a <strong>de</strong>scoberta da mulher do próprio corpo,<br />
<strong>em</strong> meados da década <strong>de</strong> 70, mas já existindo essa tendência <strong>em</strong> algumas pioneiras,<br />
décadas antes, como Simone <strong>de</strong> Beauvoir, <strong>em</strong> O Segundo Sexo (1949). Finalmente, o<br />
corpo era uma posse <strong>de</strong>vida, e somente a essa mulher pertencia. Com isso o prazer<br />
po<strong>de</strong>ria ser obtido para ela mesma, s<strong>em</strong> se ter que internalizar o sentimento negativo <strong>de</strong><br />
que esse prazer seria <strong>de</strong>stinado somente aos homens. Isso era uma conquista, uma vez<br />
que não havia muitas vozes que se incumbiam <strong>de</strong> se contrapor à dominação masculina.<br />
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