Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras
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Dessa forma, <strong>em</strong> Pedro e Paula (1998) a ficção caminha ao lado das malhas da<br />
realida<strong>de</strong>, e nos transporta para um passado distante <strong>de</strong> nossas fronteiras geográficas. A<br />
esse respeito concordamos com Schüler (1989), quando afirma que o romance é<br />
verossímil quando se impõe como verda<strong>de</strong>iro por si mesmo, e no caso do romance <strong>de</strong><br />
nosso estudo ele é verda<strong>de</strong>iro por si só, s<strong>em</strong> necessitar recorrer a outros discursos para<br />
parecer verossímil, conforme também <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> Schüler (1989). É isto o que Pedro e<br />
Paula faz transparecer: seus próprios discursos, suas simbologias e i<strong>de</strong>ologias.<br />
Da mesma forma que a Revolução dos Cravos <strong>de</strong>u início a uma nova construção<br />
para a socieda<strong>de</strong> portuguesa, ou seja, a busca <strong>de</strong> uma nova i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional, Paula<br />
tenta manter sua nova vida com Gabriel livre do gosto <strong>de</strong> morte que Pedro<br />
covar<strong>de</strong>mente tentou plantar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la, com o estupro. Assim, a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pedro<br />
também representa as vozes que <strong>de</strong>fendiam o Estado Novo, após o 25 <strong>de</strong> Abril. O<br />
mesmo ocorre com Ana, que se enclausura no asilo, como uma metáfora dos exilados<br />
que não conseguiram perpetuar o salazarismo e dos que não concordavam com as novas<br />
frentes <strong>de</strong>mocráticas.<br />
Assim como no mito nórdico <strong>de</strong> Sigmund e Sieglind, retratados na ópera<br />
wagneriana e utilizados pelo autor como uma das simbologias acerca do incesto e da<br />
disputa entre Pedro e Paula, o fruto incestuoso do amor entre os irmãos nórdicos,<br />
Siegfried, r<strong>em</strong>ete também ao nascimento <strong>de</strong> Filipa. Outrossim, mesmo que a<br />
paternida<strong>de</strong> da moça seja mais uma das incertezas que o narrador nos apresenta, isto é,<br />
mesmo que não tenhamos resposta concreta <strong>de</strong> que Filipa seja ou não fruto do incesto<br />
entre os irmãos, ou até mesmo fruto <strong>de</strong> um incesto entre Paula e seu suposto pai,<br />
Gabriel, a bela jov<strong>em</strong> não é fadada à morte e a adversida<strong>de</strong>s como Siegfried, mas<br />
encarna a continuação dos belos i<strong>de</strong>ais da mãe, e, <strong>de</strong> certa forma, também dos <strong>de</strong><br />
Gabriel.<br />
Vimos que José, Pedro e Ricardo Vale são a imag<strong>em</strong> dos i<strong>de</strong>ais da ditadura<br />
salazarista, e <strong>de</strong> toda uma i<strong>de</strong>ologia que se agregava a ela. Mais especificamente, José é<br />
a representação da guerra colonial, assim como Ricardo Vale é a personificação da<br />
violência aos colonos, e traz consigo os i<strong>de</strong>ais da PIDE: a tortura, a opressão, os<br />
assassinatos. Ana é a reprodução daqueles que se curvaram perante esse regime<br />
opressor e <strong>de</strong>sistiram <strong>de</strong> buscar a liberda<strong>de</strong>. Na mesma condição se encontra Fernanda,<br />
que carrega consigo os i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> manipulação, <strong>de</strong> trama, que foram tão peculiares à<br />
ditadura. Gabriel traz <strong>em</strong> si as marcas do exílio daqueles que se fizeram contrários aos<br />
i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> Salazar, aqueles que foram obrigados a viver solitários, <strong>em</strong> outras terras, e<br />
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