Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras
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Dentro das concepções <strong>de</strong> Pedro, o casamento, conforme a or<strong>de</strong>m patriarcal<br />
consi<strong>de</strong>ra a gravi<strong>de</strong>z não planejada, estaria fora <strong>de</strong> cogitação. Sendo assim, a maneira<br />
mais fácil era atribuir a culpa à Fernanda, e com isso, <strong>de</strong> forma cruel, obrigá-la ao<br />
aborto, oferecido por ele como um gesto <strong>de</strong> compaixão.<br />
Mas a carta enviada para os pais não é a mesma que escreve para si mesmo. A<br />
forma com que fala sobre o rompimento com Fernanda é <strong>completa</strong>mente diferente. O<br />
tom utilizado é <strong>de</strong> dor e sofrimento por ter abandonado uma bela moça, que muito lhe<br />
queria b<strong>em</strong>. A explicação para esse abandono era <strong>de</strong> que o sentimento da moça era<br />
maior, e, por não sentir o mesmo, ele não estaria sendo sincero o suficiente a ponto <strong>de</strong><br />
correspon<strong>de</strong>r ao amor <strong>de</strong>la com a mesma intensida<strong>de</strong>.<br />
Também estou um pouco <strong>de</strong>primido por causa da história com a<br />
Fernanda. A Mamã perguntou na sua última carta se voltei a vê-la.<br />
Quase po<strong>de</strong>ria parecer que não acreditou <strong>em</strong> mim quando disse que<br />
tinha acabado tudo. Repito: fui radical e <strong>de</strong>finitivo. Mas mentiria se<br />
vos dissesse que não me custou. Custa s<strong>em</strong>pre ter <strong>de</strong> magoar as<br />
pessoas que gostam <strong>de</strong> nós. E eu sei que a Fernanda gostava <strong>de</strong> mim.<br />
p. 65.<br />
Em ambas as cartas, Pedro comenta também sobre Paula, da mesma forma com<br />
que se refere à Fernanda, mas com um tom mais carregado <strong>de</strong> ódio e ciúmes. É<br />
evi<strong>de</strong>nte, também, que na carta aos pais ele aproveita para inverter a imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Paula, e<br />
<strong>de</strong>ssa forma a imag<strong>em</strong> <strong>de</strong>le mesmo é colocada <strong>de</strong> forma correta e íntegra, a saber, como<br />
o protetor <strong>de</strong> sua irmã.<br />
A Paula, é claro, recusa-se a estas sutilezas. Quer s<strong>em</strong>pre simplificar<br />
tudo. A certa altura até sugeriu sair da Padre António Vieira para a<br />
Fernanda vir viver comigo, à experiência! Como se a pobre rapariga<br />
– para n<strong>em</strong> falar dos simplórios progenitores transtaganos – fosse<br />
capaz <strong>de</strong> tais mo<strong>de</strong>rnices, “à experiência”!, p.65<br />
Pedro nunca per<strong>de</strong> a oportunida<strong>de</strong>, quando se comunica com os pais, <strong>de</strong><br />
reclamar <strong>de</strong> Paula, utilizando s<strong>em</strong>pre um discurso conveniente às regras patriarcais, e<br />
com isso contribui para a <strong>de</strong>saprovação <strong>de</strong> seu pai para com ela. É evi<strong>de</strong>nte que, além<br />
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