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18<br />
Aproximei-me da porta fechada do banheiro. Doyle dizia em voz bem alta:<br />
-Por favor, minha senhora, não me faça fazer isto.<br />
Eu não sei o que mais eu teria ouvido, porque ele entreabriu a porta.<br />
-Sim, princesa?<br />
-Se puder ficar aí uns minutos mais, trocarei de roupa para ir me deitar.<br />
Assentiu com um movimento de cabeça. Não me convidou a ver minha tia<br />
no espelho. Não tentou dar explicações da discussão, simplesmente fechou a<br />
porta. Segui ouvindo as vozes, mas eram muito débeis. Já não houve mais<br />
gritos. Não queriam que eu soubesse do motivo de discussão. Supus que tinha<br />
algo que ver comigo. O que era aquilo tão terrível a que Doyle se negava, até o<br />
ponto de discutir com a rainha?<br />
Não queria me matar, mas depois daquela noite eu já não estava segura de<br />
que me importava. Apaguei a luz do teto e acendi a da mesinha ao lado da<br />
cama. O abajur de teto iluminava muito para um dormitório. O fato de que<br />
queria apagar uma luz provava que me sentia melhor. No mínimo mais calma.<br />
Minha roupa de dormir é toda de lingerie. Eu gosto da sensação da seda e o<br />
cetim contra minha pele. Mas me parecia quase uma crueldade para com o<br />
Doyle.<br />
Era privilégio da rainha deitar-se com seus guardas reais, seus Corvos, até<br />
que um deles a deixou grávida; então, casou-se com este e já não se deitou<br />
com outros. Poderia os ter liberado para terem outras amantes, mas decidiu<br />
não fazê-lo. Se não se deitavam com ela, não se deitariam com ninguém. Fazia<br />
muito tempo que dormiam sozinhos.<br />
Finalmente, escolhi uma camisola de seda que me caía até os joelhos; tinha<br />
mangas curtas e só revelava um fino v de pele na parte superior de meu peito.<br />
Cobria mais que nenhum outro objeto da gaveta, mas sem sutiã roçavam a<br />
suave seda e os mamilos se marcavam duros sob o fino tecido. A seda era de<br />
um púrpura real vibrante e tinha muito bom aspecto sobre minha pele e meu<br />
cabelo. Tentava não provocar o Doyle, mas minha vaidade me impedia de me<br />
mostrar mal vestida.<br />
Olhei-me no espelho. Parecia uma mulher que esperava a seu amante,<br />
salvo pelos cortes. Levantei os braços para o vidro. As garras de Nerys tinham<br />
marcado linhas vermelhas em meus antebraços. O zarpazo do braço esquerdo<br />
ainda supurava sangue. Possivelmente necessitava de pontos. Normalmente<br />
me curava sem eles, mas já deveria ter parado de sangrar. Levantei a camisola<br />
o suficiente para ver a ferida da coxa. Era uma espetada, muito acima. Tinha<br />
tentado perfurar a minha artéria femural. Queria me matar, mas eu a tinha<br />
matado. Seguia sem sentir nada a respeito de sua morte. Possivelmente no dia<br />
seguinte me sentiria mal, ou possivelmente não. Em ocasiões, você só fica<br />
intumescido porque todo o resto não serve de nada. Às vezes é preciso este<br />
intumescimento para manter a prudência.<br />
Contemplei meu rosto impávido no espelho. Meus olhos mostravam aquele<br />
olhar apagado característico de um estado de choque. A última vez que a tinha<br />
visto foi depois do último duelo, quando por fim compreendi que os duelos não<br />
finalizariam até que estivesse morta. Foi a noite em que tomei a decisão de<br />
fugir, de me esconder.