Meredith Gentry 1 - CloudMe

Comecei a me pôr de joelhos a seu lado, mas me lembrei de meu tornozelo
e só pude pregar um pé debaixo de mim, com cuidado para que o salto não se
enganchasse na meia que conservava nem no cetim de minhas calcinhas.
Frost voltou a me oferecer seu perfil. Acariciei-lhe o queixo e girei sua cara
para mim. A só uns centímetros, até na escuridão, distingui a dor de seus
olhos. Alguém lhe tinha feito mal alguma vez. E a ferida seguia sangrando em
suas pupilas.
Senti que minha cara se enternecia e a risada se dissolvia.
-Ri porque...
-Sei por que riu - disse e se separou de mim. Apoiou-se contra a porta do
carro, embora estava reto e erguido. Fez-me recordar o modo em que se
agachava Kitto no chão.
Toquei seu ombro com delicadeza. Aquele magro véu de cabelo tinha
cansado por seus ombros. Era como tocar seda. A cor de seu cabelo era tão
profundamente metálico que não me surpreendeu que fosse tão delicado. Era
mais suave que os cachos do Galen, de uma textura totalmente diferente.
Olhava-me enquanto lhe tocava o cabelo.
Olhei-o.
-É só que estamos nesta estranha fase do primeiro encontro. Nunca nos
seguramos nas mãos nem nos beijamos, e ainda não sabemos nos sentir
cômodos um com o outro. Galen e eu nos ocupamos de todos os preliminares
faz anos.
Separou-se de mim, fazendo escorregar o cabelo entre meus dedos,
embora não acredito que esta fora sua intenção. Olhou pela janela de um modo
imperturbável, embora esta atuava como um espelho que me mostrava seu
rosto como o de uma das damas brancas da corte.
-Como se supera este desconforto?
-Tem que ter tido algum encontro – eu disse.
Sacudiu a cabeça.
-Faz mais de oitocentos anos no meu caso, Meredith.
-Oitocentos anos –disse. -Pensei que o celibato levava mil anos em vigor.
Assentiu sem mover-se, contemplando seu reflexo na janela.
-Fui o consorte de sua eleição faz oitocentos anos. Servi-a três vezes nove
anos, e depois escolheu a outro. -Sua voz mostrou um pouco de dúvida
quando disse isto último.
-Não sabia – eu disse.
-Eu tampouco -disse Galen.
Frost se limitou a olhar pela janela, como se estivesse fascinado pelo
reflexo de seus olhos cinzas.
-Eu atuei igual a Galen durante os primeiros duzentos anos, jogando com as
damas da corte. Então me escolheu, e quando me apartou foi muito mais duro
abster-se. A lembrança de seu corpo, pelo que... -Sua voz se foi apagando. -
Por isso não faço nada. Não toco a ninguém. Não toquei a ninguém durante
oitocentos anos. Não beijei a ninguém. Não segurei a mão de ninguém. -
Apertou sua frente contra o vidro. -Não sei como parar.
Levantei-me sobre um joelho até que minha cara ficou flutuando ao lado do
seu no reflexo da janela. Apoiei o queixo em seu ombro, com uma mão a cada
lado dele.
-Quer dizer que não sabe como começar – eu disse.
Levantou a cabeça e olhou meu reflexo ao lado do dele.