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A grande prova da referencia generica do eu, neste exemplo, e a possibilidade de permuta, sem grandes prejuizos, com 0 indeterminador por excelencia: 0 de terceira pes soa do singular seguido do se. Note-se que, muitas vezes, como no exemplo acima, a escolha de voce ou de eu nao espelha a referencia determinada ao receptor ou ao emissor, respectivamente. E como se 0 falante propusesse ao ouvinte imaginar-se numa situac;ao hipotetica, suscetivel de ocorrer com qualquer urn (Cavalcante, 1997a). 0 que e tratado, as vezes, como reduc;ao ou abrandamento do carater subjetivo, dado 0 recurso gramatical da indeterminac;ao do sujeito sintatico-semantico, e, na realidade, uma estrategia eficiente de modalizac;ao do discurso, e a modalizayao e a propria manifestac;ao da presenc;a do sujeito no enunciado. Tambem nao nos parece apropriado falar de uma possivel reduc;ao da subjetividade do eu sempre que se deseje privilegiar 0 conjunto de atributos sociais impregnados no pronome. Cervoni (1989) lembra 0 eu do poeta lirico, que remete, antes, a seu estatuto social; e 0 eu do jornalista ou do critico de arte, que "nao tern como efeito conferir urn carater eminentemente pessoal e subjetivo aos julgamentos emitidos, mas sim, ao contnirio, visa dar-Ihes peso por representar a posic;ao social do autor." (Cervoni, 1989: 45) Ora, mas nao sera justamente para dar saliencia a tudo 0 que representa esse eu, em termos sociais, que 0 enunciador escolhe a marca por excelencia da subjetividade, como num convite ao destinatario para que se veja no mesmo contexto criado? Preferimos, por isso, dizer que os pessoais sao selecionados, em situayoes como a de (2), acima, nao para impessoalizar os pronomes, ja subjetivos em essencia, mas, pelo contrario, para, sutilmente, por meio deles, injetar subjetividade num contexto normal mente impessoal, perfeitamente comutavel com urn indeterminador de 3' pessoa seguido de se. Dessa forma, quando se alega que as estruturas indeterminadoras marcadas com pronomes de primeira e segunda pes soa imprimem urn grau de generalizac;ao tao alto que caberia duvidar de sua deiticidade, pode-se contra-argumentar que a presenc;a do sujeito e tao marcante que, mesmo quando se imagina sua debilidade pessoal, ela entao irrompe com enorme poder persuaslvo. Ja e possivel, desde logo, compreender que existem diferentes graus de deiticidade, que influenciam diretamente 0 discurso, mas que por ele tambem se deixam graduar. Estritamente no caso dos deiticos pessoais, Fiorin (1996) menciona nada menos que vinte possibilidades de neutralizayao de oposiyoes no interior da categoria de pessoa. Ate mesmo a forma de terceira pessoa pode subverter a norma e empregar-se deiticamente com 0 valor de primeira ou de segunda. Vejam-se alguns exemplos fornecidos pelo autor:
(3) "0 Papa Joao Paulo II se despediu ontem dos brasileiros, depois de uma visita de dez dias a dez capitais (...): - 0 Papa leva no fundo do corayao 0 desejo e a esperanya de que a Nayao brasileira trilhe sempre a senda da valorizayao da dignidade do homem - disse." (Fiorin, 1996:85) Note-se 0 usa da terceira pessoa em negrito no lugar da primeira, num processo auto- referencial, urn recurso de que muitas vezes nos valemos, como em documentos oficiais: requerimentos, abaixo-assinados, e ate em certas situac;oes cotidianas do tipo: (4) "Filhinho, 0 papai nao quer que voce faya mais isso." (ver em Fiorin, 1996:86) Muito natural e tambem 0 usa da terceira pessoa pela segunda, como nos seguintes exemplos citados pelo autor: (5) "Era bilhete de Dona Esmeralda, com parabems pelo que diziam de mim as gazetas. Tambem de Fonseca, que encontrei na rua depois, recebi os cumprimentos: - Sim, senhor! 0 coronel anda por cima da carne-seca. Nao sai das folhas." (Fiorin, 1996:87) Quando a indeterminayao ganha 0 reforyo da forma de plural na categoria de pessoa, os efeitos alcanc;ados sac ainda mais generalizantes. Ao empregar urn deitico como a gente, 0 falante migra do ambito pessoal para uma esfera aparentemente impessoal, mas, a nosso ver, essencialmente subjetiva, porque nao deixa de privilegiar 0 sujeito, envolvendo tambem 0 ouvinte, apesar de inc1uir outras nao-pessoas. Veja-se 0 exemplo: (7) "... querem dar projetos revolucionarios para educayao num pais que eu acho que voce podia pegar um predio velho ... reformar e manter ... 0 fator hist6rico ... 0 fatoL .. 0 fator ... educacional. .. investir 0 tempo que ia gastar num novo projeta ... investir em professores ... em educayao ... se investisse mais nesta parte... entao ja e um grande bem ... entao eu acho que tudo e economia ... tudo e dinheiro ... a gente nao pode atingil falar sobre 0 problema social se a gente nao/ "ah:: ... 0 pais tem/ os velhos estao morrendo ... assim ... assim ..." esta morrenda por que? muitos deles ficam em fila de aposentado ... por que fila de aposentado? pra ganhar 0 dinheiro ... e quanta ganha? e pouco ... e uma miseria ... entao se a gente for pensar em todos os casos ... a gente volta no economico ..." (F035 - exposiyao informal- NELFE)
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