portugues instrumental - Universidade Federal do Pará
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Esse mun<strong>do</strong> particular de signos <strong>do</strong> qual falamos apontava<br />
caminhos, sugeria que nos afastássemos ou nos aproximássemos — e em<br />
que medida faríamos isso — de um determina<strong>do</strong> sujeito, objeto ou lugar,<br />
conforme a leitura que fazíamos de cada “signo”. Em outras palavras:<br />
era a leitura-ponte entre o mun<strong>do</strong> próximo e o distante, a leitura-ponte<br />
para fugir <strong>do</strong> próximo ou para retornar <strong>do</strong> distante.<br />
Vamos exemplificar essa abstração lembran<strong>do</strong> os textos de<br />
Infância, de Graciliano Ramos (1892-1953). Neste livro, o me<strong>do</strong> que o<br />
personagem menino sente da autoridade paterna associa-se ao horror<br />
das primeiras letras: o pai era também o alfabetiza<strong>do</strong>r e o castigava<br />
duramente quan<strong>do</strong> não aprendia alguma lição. Mais uma vez, vemos a<br />
importância <strong>do</strong> saber como ensinar, o como transformar o conhecimento<br />
teórico em prática construtiva. A alfabetização foi tardia; e a experiência<br />
de leitura, mediada pelo pai e pela prima. A prima Emília (no texto<br />
“Os astrônomos”), como estratégia de sedução para “ensiná-lo” a ler<br />
sozinho (ler como uma atividade que pode ser feita sem a “ajuda” de<br />
um ouvinte), fala <strong>do</strong>s astrônomos ao pequeno infante:<br />
Quan<strong>do</strong> falei a Emília, porém, ignorava que houvesse pessoas tão<br />
rudes quanto Eusébio e admitia facilmente as auréolas da professora.<br />
Em conformidade com a opinião de minha mãe, considerava-me<br />
uma besta. Assim, era necessário que a priminha lesse comigo o<br />
romance e me auxiliasse na decifração dele.<br />
Emília respondeu com uma pergunta que me espantou. Por que<br />
não me arriscava a tentar a leitura sozinho?<br />
Longamente lhe expus a minha fraqueza mental, a impossibilidade<br />
de compreender as palavras difíceis, sobretu<strong>do</strong> na ordem terrível em<br />
que se juntavam. Se eu fosse como os outros, bem; mas era bruto<br />
em demasia, to<strong>do</strong>s me achavam bruto em demasia.<br />
Emília combateu a minha convicção, falou-me <strong>do</strong>s astrônomos,<br />
indivíduos que liam no céu, percebiam tu<strong>do</strong> quanto há no céu. Não<br />
no céu onde moram Deus Nosso Senhor e a Virgem Maria. Esse<br />
ninguém tinha visto. Mas o outro, o que fica por baixo, o <strong>do</strong> Sol, da<br />
Lua e das estrelas, os astrônomos conheciam perfeitamente. Ora, se<br />
eles enxergavam coisas tão distantes, porque (sic) não conseguiria<br />
eu adivinhar a página aberta diante <strong>do</strong>s meus olhos? Não distinguia<br />
as letras? Não sabia reuni-las e formar palavras?<br />
Matutei na lembrança de Emília. Eu, os astrônomos, que <strong>do</strong>idice!<br />
Ler as coisas <strong>do</strong> céu, quem havia de supor?<br />
CEDERJ 51<br />
AULA 3<br />
MÓDULO 1