portugues instrumental - Universidade Federal do Pará
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Português Instrumental | Contar uma estória, contar a história<br />
64 CEDERJ<br />
que não possuem uma escrita formalizada (com gramática, dicionário<br />
etc.), tais como indígenas brasileiros, tribos africanas, e muitos outros.<br />
Certamente, integrantes desses povos são capazes de contar estórias, de<br />
cantar, de rezar, de pregar. Por que àquele conjunto de manifestações<br />
culturais não podermos dar o nome de literatura?<br />
A literatura oral não se resume no ato de narrar um acontecimento:<br />
ela compreende muitas outras atividades humanas. Está presente nos<br />
cantos populares, nas cantigas de ninar, nas danças de roda; enfim, em<br />
muito daquilo de que se constitui a cultura não-oficial, a cultura popular.<br />
Talvez este seja o caráter mais particular da literatura oral e de tu<strong>do</strong> o que<br />
pertence ao reino <strong>do</strong> folclore: a não-oficialidade. Há um arcabouço de<br />
técnicas, de experiências, um conjunto de estórias que não costumamos<br />
encontrar no cinema, no teatro, na televisão, nos livros; quan<strong>do</strong> muito,<br />
nos deparamos com pedaços e restos dele nos museus. Como se o povo,<br />
há tempos, tivesse perdi<strong>do</strong> a capacidade de criar, de narrar, de dançar,<br />
de fazer a sua história.<br />
O conceito de literatura oral não está sen<strong>do</strong> inventa<strong>do</strong> por nós:<br />
ele aparece pela primeira vez em 1913, no livro Le Folklore, de Paul<br />
Sébillot. Se a literatura oral é milenar, sua definição é bem recente.<br />
Poucos se dedicaram a estudá-la; entre eles, devemos citar LUÍS DA CÂMARA<br />
CASCUDO, pesquisa<strong>do</strong>r que recolheu, estu<strong>do</strong>u e divulgou manifestações da<br />
cultura popular brasileira, da literatura oral, e <strong>do</strong> folclore nacional e <strong>do</strong><br />
estrangeiro. Ante a presença contínua, atemporal e coletiva da literatura<br />
oral <strong>do</strong> folclore, Câmara Cascu<strong>do</strong> se viu obriga<strong>do</strong> a recontar a História.<br />
Ao que a oficialidade não dera ouvi<strong>do</strong>s, ele assim comenta:<br />
As histórias da literatura fixam as idéias intelectuais em sua<br />
repercussão. Idéias oficiais das escolas nascidas nas cidades, das<br />
reações eruditas, <strong>do</strong>s movimentos renova<strong>do</strong>res de uma revolução<br />
mental. O campo – da história literária – é sempre quadricula<strong>do</strong><br />
pelo nomes ilustres, citações bibliográficas, análise psicológica <strong>do</strong>s<br />
mestres, razões <strong>do</strong> ataque ou da defesa literária. As substituições<br />
<strong>do</strong>s mitos intelectuais, as guerras de iconoclastas contra devotos, de<br />
fanáticos e céticos, absorvem as atividades cria<strong>do</strong>ras ou panfletárias.<br />
A literatura oral é como se não existisse. Ao la<strong>do</strong> daquele mun<strong>do</strong> de<br />
clássicos, românticos, naturalistas, independentes, digladian<strong>do</strong>-se,<br />
discutin<strong>do</strong>, cientes da atenção fixa <strong>do</strong> auditório, outra literatura,<br />
sem nome em sua antiguidade, viva e sonora, alimentada pelas<br />
fontes perpétuas da imaginação, colabora<strong>do</strong>ra da criação primitiva,<br />
com seus gêneros, espécies, finalidades, vibração e movimento,<br />
continua, rumorosa e eterna, ignorada e teimosa, como rio na<br />
solidão e cachoeira no meio <strong>do</strong> mato.