ANUNCIATA E SEU HUMOR - CES/JF

Deve-se atentar para o fato de que, nessa carta, a sintaxe “comoveu e
espantou”(IBIDEM), representa uma seqüência de sentimentos onde a comoção
vem antes do espanto, o que é, no mínimo, singular e pouco provável. Exceto se o
homem que escreve, afeito que é ao preciso delinear dos sentimentos humanos,
tenha escolhido tal encadeamento por este corresponder exatamente ao ocorrido, ou
seja, que a primeira reação foi exatamente aquela, pois “nunca antes encontrara as
intenções pessoais e secretas por trás dela [sua obra] identificadas com tal clareza”
e contundente precisão (IBIDEM).
Freud não pôde comparecer, por razões absolutamente impeditivas — “estou
muito fraco para tal empreendimento” — e escreveu um discurso que seria lido por
sua filha Anna, “sem dúvida [...] mais agradável de ver e ouvir”, segundo suas
desculpas (IBIDEM, p.240).
No discurso, “em lugar de tomar a obra de Goethe como material a ser
analisado, como se faz comumente hoje em dia para alçar a psicanálise a uma
posição de ascendência sobre os demais saberes [...]” (CHEBABI, 1984, p.107),
Freud mostra como Goethe inseminou a psicanálise de várias formas, menos da
mais fundamental: suas idéias alteraram o próprio rumo do percurso freudiano.
Isto só se sabe por outro texto, anterior ao prêmio com que o honraram:
Embora vivêssemos em circunstâncias muito limitadas, meu pai insistiu que,
na minha escolha de uma profissão, devia seguir somente minhas próprias
inclinações. Nem naquela época, nem mesmo depois, senti qualquer
predileção particular pela carreira de médico [...]. Sob a influência de uma
amizade formada na escola com um menino mais velho que eu, e que veio
a ser conhecido político, desenvolvi, como ele, o desejo de estudar direito e
dedicar-me a atividades sociais. Ao mesmo tempo, as teorias de Darwin,
que eram então de interesse atual, atraíram-me fortemente, pois ofereciam
esperanças de extraordinário progresso em nossa compreensão do mundo;
e foi ouvindo o belo ensaio de Goethe sobre a Natureza, lido em voz alta
numa conferência popular pelo professor Carl Brühl, pouco antes de eu ter
deixado a escola, que resolvi tornar-me estudante de medicina (FREUD,
1976e, p.18-19).
Eis o que este trabalho procura demonstrar: não é nada insólito que um
detrator veemente da prática psicanalítica, como o é Millôr, a privilegie como melhor
enredo teórico para as instâncias do riso, especialmente quando se apresenta nos
termos freudianos. Um deles, o que correlaciona a criatividade humorística com a
agressividade foi, aqui, temperada com a fundamental — melhor dizendo, radical —
contribuição de Winnicott.
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