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ANUNCIATA E SEU HUMOR - CES/JF

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espondendo a expressa consideração deste por seu trabalho, ele, com refinada<br />

ironia, escreve:<br />

Naturalmente, sempre soube que só me admira ‘por delicadeza’, mas<br />

acredita muito pouco em todas as minhas asserções. Ora, muitas vezes me<br />

perguntei o que se pode realmente admirar nelas se são errôneas, isto é, se<br />

não encerram grande parcela de verdade. Não acha, aliás, que eu teria sido<br />

melhor tratado se minhas teorias tivessem contido uma percentagem maior<br />

de erro e de absurdo? (apud MIJOLLA, 1985, p.152)<br />

Não considerando, como cabe aqui, os interesses epistemológicos de Millôr e<br />

Freud, pois a estes uma explanação demasiadamente longa deveria ser dedicada se<br />

o interesse não fosse outro, então basta o que se apresentou anteriormente, com<br />

citações e indicações de leitura. O ponto crucial, ou seja, as perspectivas quanto ao<br />

valor terapêutico da psicanálise, não produziria entre ambos uma verdadeira<br />

contenda. Esta é apenas aparente, e ainda mais quando Freud sublinhava que a<br />

psicanálise lhe interessava mais “pelo esclarecimento e desmascaramento de<br />

enganos do que no restabelecimento de pessoas isoladas” (FREUD &<br />

PFISTER,2003, p.160). Em carta a Pfister, em 1928, não faz senão confirmar o que<br />

já dissera em outra, de 1896, a Wilhelm Fliess, trinta e dois anos antes:<br />

Quando jovem, eu não conhecia nenhum outro anseio senão o de<br />

conhecimentos filosóficos, e agora estou prestes a realizá-lo, à medida que<br />

vou passando da medicina para a psicologia. Tornei-me terapeuta contra a<br />

minha vontade [...] (FREUD, 1986, p.181).<br />

Portanto, não haveria porque Freud se inquietar com a acidez de Millôr<br />

quando se refere à porção clínica da psicanálise. O surpreendente, no caso, é que<br />

Millôr se desse ao trabalho de dizer aos psicanalistas o quanto ele os considerava<br />

obtusos e lhes prestasse esse serviço, caso eles de dessem conta disto. É que eles,<br />

os psicanalistas, fizeram o caminho inverso ao de Freud e foram se aproximando<br />

cada vez mais do valor terapêutico da psicanálise, de sua formulação médica e, a tal<br />

ponto, que em qualquer impasse ou dúvida especulativa recorrem ao critério clínico,<br />

fazendo lembrar mais e mais um antigo refrão da medicina: a clínica é soberana. Na<br />

contramão de Freud e da própria prática médica — que hoje se serve principalmente<br />

dos recursos de uma tecnologia desenfreada em seus supostos progressos — os<br />

psicanalistas falam sobre tudo o quanto há, até quando, engasgados com qualquer<br />

interrogação mais perspicaz, se refugiam sob as asas absolutas da clínica,<br />

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