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Mesmo com todo o desserviço que freqüentemente presta à volumosa e<br />
detalhada obra Winnicottiana, O brincar e a realidade — publicado por Masud Khan<br />
— serve, no mínimo (rigorosamente) para demonstrar que o jogo lúdico encontra-se<br />
na base de toda a construção teórica de Winnicott (Cf. CANTUDO, 2000, p.54-59), e<br />
que esta nunca deixou de acentuar a provocação fundamental de Freud: “a antítese<br />
de brincar não é o que é sério, mas o que é real” (FREUD, 1976d, p.149)<br />
A contribuição de Winnicott , no presente estudo, reside exatamente no fato<br />
de avançar nesta direção e apontar no próprio brincar, os instrumentos que<br />
promovem o erguimento da realidade como fato humano. Em outras palavras, é no<br />
brincar (e na agressividade que encontra-se em sua textura) com o mundo em torno<br />
que o filhote-de-homem vai estabelecendo seus contornos e reconhecendo-os como<br />
alteridade, realidade. O brincar em Winnicott envolve, portanto, uma cota<br />
fundamental de agressividade. E quanto mais criativo é este experimentar-o-mundo,<br />
mais esta agressividade se aproxima de uma crueldade que, tornando-se arte, ainda<br />
arte do Humor, visa transformá-lo, ultrapassá-lo em seu perfil atual e ampliar os<br />
próprios contornos que o lúdico permitiu estabelecer.<br />
Mesmo em suas refinadas elaborações sobre os vínculos entre crueldade e<br />
criatividade, Winnicott não se afasta muito de Freud quando este assinalava que “ a<br />
economia da compaixão é uma das mais freqüentes fontes do prazer humorístico”.<br />
(OC, p.259). E nisto está envolvida a compaixão por si mesmo. Millôr é que o diga!<br />
Mas de fato,<br />
existe uma outra circunstância que nos leva a examinar por mais alguns<br />
instantes essa oposição entre a realidade e o brincar. Quando a criança<br />
cresce e pára de brincar, após esforçar-se por algumas décadas para<br />
encarar as realidades da vida com a devida seriedade, pode colocar-se<br />
certo dia numa situação mental em que mais uma vez desaparece essa<br />
oposição entre o brincar e a realidade. Como adulto, pode refletir sobre a<br />
intensa seriedade com que realizava seus jogos na infância; equiparando<br />
suas ocupações do presente, aparentemente tão sérias, aos seus jogos de<br />
criança, pode livrar-se da pesada carga imposta pela vida e conquistar o<br />
intenso prazer proporcionado pelo humor (FREUD, 1976d, p.150)<br />
4.2 MILLÔR E FREUD: CONVERGÊNCIAS<br />
As invectivas de Millôr Fernandes contra a psicanálise são muito<br />
contundentes para deixá-las à margem quando se quer demonstrar que seu Humor<br />
é, essencialmente, aquele descrito por Freud. Não se trata, então, de escamotear<br />
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