ANUNCIATA E SEU HUMOR - CES/JF

dificuldades para esta aproximação, mas demonstrar que estas são apenas
aparentes, mas tão aparentemente claras que chegam a dificultar uma visão mais
acurada. Olhe-se, por exemplo, para este foco numa perspectiva
descontextualizada:
ODE AO PSICANALISTA
Desmembra a alma em pedaços
Rotula todas as partes
Ego, id, dor anseio
Arquiva peça por peça
Ciúmes, recalques, medo
Conhece todo segredo
Dos corações em desgraça
Tabela paixão e angústia
Computa sonho e remorso
Pinça e mede sentimentos
E sabe explicar por que
Eu rio do meu desastre
E você pensa em suicídio
Só perdendo o dente siso.
Com o consciente sabido
Desce mais fundo e além
Vai batizando a alma
Com os nomes que a alma tem.
E com o inconsciente explica
O brilho de qualquer bossa
O horror de qualquer fossa.
As perversões sexuais
Para ele são normais:
E sabe todo trançado
Dos fatores sociais.
Seu tirocínio é perfeito
Seu raciocínio, bacano.
Tem apenas um defeito:
Nunca viu um ser humano
(FERNANDES, 1974b, p.158).
Todos os termos psicanalíticos utilizados por Millôr já ingressaram na
linguagem popular, tal a divulgação e a penetração da psicanálise, inclusive em
todas as formas de mídia. Com mais de cem anos de existência, suas proposições e
termos mais gerais ganharam significativo espaço na fala corriqueira. Se, contudo, o
leitor dessa dissertação de mestrado requerer explicitações e aprofundamentos,
pode e deve recorrer ao valioso Vocabulário da psicanálise, de J. LAPLANCHE e
J.-B. PONTALIS, onde as definições são apresentadas de forma, ao mesmo tempo,
simples e precisa.
Voltando a Millôr, esta “Ode ao psicanalista” — visto como aquele que
desmembra a alma em pedaços e rotula todas as partes — apresenta,
68