03.06.2013 Views

ANUNCIATA E SEU HUMOR - CES/JF

ANUNCIATA E SEU HUMOR - CES/JF

ANUNCIATA E SEU HUMOR - CES/JF

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

se ouve nada.” Aí era uma gargalhada total (FERNANDES, 2003,<br />

p.65-66).<br />

Em 1965 havia quase um ano que os militares governavam o país, sob a<br />

tutela do Marechal Castelo Branco. E havia tanto os que concordavam com tal<br />

disposição das ordens, como os que eram violentamente contra tal situação. Ao<br />

dizer que os ocupantes das cadeiras do teatro deviam tomar uma posição e nela se<br />

fixar, Millôr estava lidando com a ambigüidade das palavras num momento de<br />

extrema tensão entre a sociedade civil e o comando que se impunha a ela. O riso<br />

provocado por sua observação era derivado do deboche que buscava a denúncia de<br />

um vigilante e opressivo mundo externo, em relação ao qual todos deviam tomar<br />

uma posição. Era para que todos entendessem o refinado humor, menos os<br />

militares. Estes ficaram se perguntando porque a platéia ria tanto.<br />

Puro Humor, com o devido nome e assinatura, achincalhando a violenta e<br />

opressiva realidade produzida pelo golpe militar.<br />

Enfim, como sempre é preciso e imperativo escolher — renovada e arriscada<br />

tarefa —, algumas temáticas de Millôr, presentes com maior constância ao longo de<br />

seu exercício de denúncias e enfrentamentos (ou afrontamentos, melhor dizendo),<br />

estão aqui representadas por um restrito número de fábulas. Sem outros<br />

adiamentos, posiciona-se a primeira:<br />

O SOCORRO<br />

Ele foi cavando, cavando, cavando, pois sua profissão — coveiro — era<br />

cavar. Mas, de repente, na distração do ofício que amava, percebeu que<br />

cavara demais. Tentou sair da cova e não conseguiu. Levantou o olhar para<br />

cima e viu que, sozinho, não conseguiria sair. Gritou. Ninguém atendeu.<br />

Gritou mais forte. Ninguém veio. Enrouqueceu de gritar, cansou de<br />

esbravejar, desistiu com a noite. Sentou-se no fundo da cova, desesperado.<br />

A noite chegou, subiu, fez-se o silêncio das horas tardias. Bateu o frio da<br />

madrugada e, na noite escura, não se ouvia um som humano, embora o<br />

cemitério estivesse cheio de pipilos e coaxares naturais dos matos. Só<br />

pouco depois da meia-noite é que lá vieram uns passos. Deitado no fundo<br />

da cova o coveiro gritou. Os passos se aproximaram. Uma cabeça ébria<br />

aparece lá em cima, perguntou o que havia: “O que é que há”?<br />

O coveiro então gritou, desesperado: “Tire-me daqui, por favor. Estou com<br />

um frio terrível!” “Mas, coitado!” — condoeu-se o bêbado — “Tem toda razão<br />

de estar com frio. Alguém tirou a terra de cima de você, meu pobre<br />

mortinho!” E, pegando a pá, encheu-a de terra e pôs-se a cobri-lo<br />

cuidadosamente.<br />

MORAL: NOS MOMENTOS GRAVES É PRECISO VERIFICAR MUITO<br />

BEM PARA QUEM SE APELA. (FF,1985b, p.12).<br />

88

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!