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Empreguei o termo 'experiência cultural' como uma ampliação da idéia dos<br />
fenômenos transicionais e da brincadeira, sem estar certo de poder definir a<br />
palavra 'cultura'. A ênfase, na verdade, recai na experiência. Utilizando a<br />
palavra 'cultura', estou pensando na tradição herdada. Estou pensando em<br />
algo que pertence ao fundo comum da humanidade, para o qual indivíduos<br />
e grupos podem contribuir e da qual todos nós podemos fruir, se tivermos<br />
um lugar para guardar o que encontramos (WINNICOTT, 1975, p.137-138).<br />
Ora, a cultura, a tradição herdada, o 'fundo comum da humanidade' é o<br />
propriamente humano que constitui a realidade compartilhada, os códigos, a<br />
linguagem, e de tal forma que não se pode negar "o fato de que em nenhum campo<br />
cultural é possível ser original, exceto numa base de tradição [...]. A integração entre<br />
a originalidade e a aceitação da tradição como base da inventividade parece-me<br />
apenas mais um exemplo, e um exemplo emocionante, da ação recíproca entre<br />
separação e união" (IBIDEM, p.138).<br />
A criatividade se constitui, portanto, num modo de operar no mundo, num<br />
“viver criativamente”, que não se reduz ao ato criativo do objeto artístico, embora o<br />
englobe. Winnicott insere a criatividade no conceito de sujeito apto a viver, estar<br />
vivo, sentir-se real e ativo. Segundo ele,<br />
É a partir do sentimento de haver criado o mundo que se estabelece tudo<br />
aquilo que é verdadeiramente importante. A desilusão não é alcançada sem<br />
que primeiramente surja a ilusão [...]. O que funda o viver criativo é a<br />
percepção criativa que, por sua vez, se funda na experiência de fusão com<br />
a mãe. É precisamente esta experiência de 'retenção da mãe na mente' que<br />
evolui até chegar às lembranças, tornando-se o lugar por excelência da<br />
experiência cultural. É aqui que se dá uma comunicação silenciosa com os<br />
objetos subjetivos pertencentes ao mundo interno do indivíduo (ABRAM,<br />
2000, p.89).<br />
Assim, viver criativamente não significa produzir arte, embora isto seja<br />
fundamental para que tal aconteça. Mas antes da arte como produto, e portanto<br />
objeto estético, a criatividade está em ato, como produção. "Para ser criativa, uma<br />
pessoa, tem que existir; e ter um sentimento de existência, não na forma de<br />
percepção consciente, mas como uma posição básica a partir da qual operar”<br />
(WINNICOTT, 1989, p.31).<br />
3.3 AGRESSIVIDADE PARA ULTRAPASSAR-SE<br />
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