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A CAUSA DA CHUVA<br />
Não chovia há muitos e muitos meses, de modo que os animais ficaram<br />
inquietos. Uns diziam que ia chover logo, outros diziam que ainda ia<br />
demorar. Mas não chegavam a um conclusão.<br />
— Chove só quando a água cai do telhado do meu galinheiro —<br />
esclareceu a galinha.<br />
— Ora, que bobagem! — disse o sapo de dentro da lagoa. — Chove<br />
quando a água da lagoa começa a borbulhar suas gotinhas.<br />
— Como assim? — disse a lebre. — Está visto que só chove quando as<br />
folhas das árvores começam a deixar cair as gotas dágua que têm dentro.<br />
Neste momento começou a chover.<br />
— Viram? — gritou a galinha. — O telhado do meu galinheiro está<br />
pingando. Isso é chuva!<br />
— Ora, não vê que a chuva é a água da lagoa borbulhando? — disse o<br />
sapo.<br />
— Mas, como assim? — tornou a lebre. — Parecem cegos! Não vêem<br />
que a água cai das folhas das árvores?<br />
MORAL: TODAS AS OPINIÕES ESTÃO ERRADAS (FF, p.38).<br />
Millôr não é desesperançado, já que é humorista e crítico feroz, ou seja,<br />
combatente. Dizer que Millôr está querendo demonstrar que nossa visão do mundo<br />
é sempre restrita e que, noutros rumos e contextos, poderia ser diferente, não é<br />
tentar falar em seu nome, interpretá-lo. O Millôr que emerge do texto desta<br />
dissertação é apenas aquele submetido ao foco de investigação da autora; nada<br />
além de uma forma de apreciá-lo sob uma luz específica, tão boa quanto qualquer<br />
outra. Não se trata de um Millôr definitivo ou mesmo de uma definição de Millôr, mas<br />
apenas a tentativa de por em cena um possível diálogo entre ele, Freud e Winnicott.<br />
Além de La Fontaine, é claro.<br />
A segunda oportunidade de saborear as particulares soluções de La Fontaine<br />
e Millôr se apresenta quando a trama envolve um lobo e um cordeiro num jogo<br />
argumentativo. No caso de Millôr, tal jogo assume os contornos cômico que<br />
freqüentemente reinam neste tipo de contenda, mas o desfecho abandona esta<br />
roupagem para desnudar o verdadeiro caráter do Humor:<br />
O LOBO E O CORDEIRO<br />
Estava o cordeirinho bebendo água, quando viu refletida no rio a sombra do<br />
lobo. Estremeceu, ao mesmo tempo que ouvia a voz cavernosa: “Vais pagar<br />
com a vida o teu miserável crime”. “Que crime?” — perguntou o cordeirinho<br />
tentando ganhar tempo, pois já sabia que com lobo não adianta argumentar.<br />
“O crime de sujar a água que eu bebo”. “Mas como posso sujar a água que<br />
bebes se sou lavado diariamente pelas máquinas automáticas da fazenda?”<br />
— indagou o cordeirinho. “Por mais limpo que esteja um cordeiro é sempre<br />
sujo para um lobo” — retrucou dialeticamente o lobo. “E vice-versa” —<br />
pensou o cordeirinho, mas disse apenas: “Como posso eu sujar a sua água<br />
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