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humana na especificação de algo ridículo, num traço cômico qualquer. Ele, e apenas<br />
ele — o Humor —, é “uma funda, constante, irresistível indignação social, moral,<br />
humanística” (FERNANDES, 2004, p.141).<br />
Levada a este extremo crítico, a fábula é arrastada até à indignação moral,<br />
deixando de lado moralidades ajustadoras do contorno do bem-viver, que mantêm<br />
inatacáveis suas inconsistências, para expor as vísceras do vivido, ainda que<br />
cruelmente.<br />
Da tradição da fábula vem a própria ruptura com a moral da fábula, pois “só<br />
uma mentalidade extremamente anti-Humorística pode suportar ser ultrapassada,<br />
admitir idéias de humildade e aceitação do destino” (IBIDEM, p.164). Posta diante do<br />
Humor, a trama da fábula conduz a outro desfecho.<br />
O passado, como se sabe, não passa de uma invenção do presente, de forma<br />
que dizer que as Fábulas fabulosas, de Millôr Fernandes, constituem uma outra<br />
coisa em relação à arquitetura da fábula é, no mínimo, transformar ardiloso<br />
contraponto em banal espetáculo de desconstrução, pois “ é impressionante como<br />
esses escritores do passado já citavam tantos escritores modernos”<br />
(FERNANDES,1994, p.25). Embora, evidentemente, sejam os de hoje que citam os<br />
de antes, Millôr não perde a oportunidade de espicaçar a arrogância de certos<br />
supostos expoentes que despontam para o rápido esquecimento.<br />
Assim como o Humor não se reduz ao dito espirituoso ou à comicidade<br />
paródica e isto não significa que não se serve deles para realizar seus objetivos, a<br />
moral da fábula millôriana funda-se no formato para outros fins. “Tenho a impressão<br />
que, desde o início de minhas atividades, jamais escrevi uma moral moralizante”<br />
(FERNANDES,1974, p.233), diz ele, “mas em nossa profissão, lavradores do nada,<br />
o contato é permanente”(FERNANDES,2004,p.13). Nesse sentido, torna-se<br />
interessante esquecer, por um momento, o fato de La Fontaine ter recusado<br />
explicitamente a regra de que somente animais — e não homens, por exemplo —<br />
devem apresentar-se como personagens de uma fábula e citar outro fabulista como<br />
fiel seguidor de tal ditame. Explicitamente:<br />
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