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Em sua descrição da agressão primária, aponta para o fato de que todos os<br />
aspectos da agressão do bebê podem ser percebidos pelo observador (ou sentidos<br />
pela mãe) como cruéis, dolorosos e perigosos, porém — e isso é fundamental na<br />
teoria de Winnicott (diferenciando-a radicalmente da Klein, que em tudo vê inveja e<br />
sadismo inato) —, para o bebê, todos eles são essencialmente acidentais. Ou seja,<br />
Winnicott considera que a agressão precoce do bebê pode ser entendida pelo<br />
observador como sádica mas, a princípio, não é tomada dessa forma pelo bebê e,<br />
portanto, não faz parte do seu âmbito emocional. Volta-se a repetir: esta é uma<br />
concepção que revoga todo um modo de pensar quando se tratava do assunto,<br />
numa psicanálise, até então.<br />
Em 1945, o horizonte de Winnicott quanto à agressão alargou-se<br />
consideravelmente. Em seu importante e emblemático trabalho, “ Desenvolvimento<br />
emocional primitivo” (1945), vários dos temas que continuarão a preocupá-lo pelo<br />
resto da vida são expostos como pano de fundo para todas as elaborações<br />
posteriores.<br />
Quanto à agressividade, é neste texto que ele propõe um self cruel<br />
antecedendo o self implicado na relação com experimentos objetais. Mas considera<br />
que o self com capacidade para a preocupação— ou a capacidade para sentir-se<br />
preocupado — depende, para seu desenvolvimento, que o self cruel permita sua<br />
expressão.<br />
Caso admita-se que o indivíduo está se tornando integrado e personalizado,<br />
e que deu início ao processo de realização, há ainda um longo caminho a<br />
ser percorrido antes que ele se relacione com uma pessoa total, com uma<br />
mãe total, preocupando-se com o efeito de seus próprios pensamentos e<br />
ações sobre ela.<br />
Temos que postular uma relação de objeto cruel. Esta pode de novo ser<br />
apenas uma fase teórica e, certamente, não se pode ser cruel depois do<br />
estádio de preocupação, exceto em um estado dissociado. Os estados de<br />
dissociação cruéis, porém, são comuns no início da infância e emergem em<br />
certos tipos de delinqüência e na loucura, devendo ser disponíveis na<br />
saúde. A criança normal experimenta uma relação cruel com a mãe, que<br />
fica mais evidente no jogo e necessita da mãe porque só dela pode esperar<br />
uma tolerância para com esta relação cruel estabelecida no jogo, porque<br />
isto realmente a fere e a esgota. Sem esta possibilidade de brincar<br />
cruelmente com ela, não resta à criança outra saída senão ocultar este self<br />
cruel, deixando-o vir à tona apenas em um estado de dissociação.<br />
(WINNICOTT, 1978, p.282 )<br />
Como esse self cruel é admitido e que resposta obtém da mãe? Este é um<br />
aspecto crucial da maneira pela qual a agressividade afeta o desenvolvimento<br />
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