Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Desesperado, o homem foi ocultando o fato, até que, certo dia, não se<br />
contendo mais abriu a galinha para apanhar os ovos que ela tivesse lá<br />
dentro. Para sua decepção não havia mais nenhum.<br />
Então o homem — espírito bem moderno — resolveu explorar o nome que<br />
lhe ficara do acontecimento e abriu um enorme restaurante, com o sugestivo<br />
nome de Aos Ovos de Ouro. E isso lhe deu muito mais dinheiro do que a<br />
Galinha propriamente dita.<br />
MORAL: CRIA GALINHAS E DEITA-TE NO NINHO (FF,1985b, p.91-92).<br />
Aquele que não apenas reage às adversidades do mundo, consegue agir<br />
sobre o mundo. Ao perder a Galinha dos Ovos de Ouro o personagem de Millôr cria,<br />
por superação, uma “brincadeira” — brinca com a realidade e disto se serve para<br />
atuar sobre ela.<br />
Já conhecido de todos pela posse da tal galinha — e famoso por isto —, ao<br />
perdê-la, assintosamente resolve explorar “o nome que lhe ficara” e, afrontando a<br />
desdita passa a dono de um restaurante “com o sugestivo nome de Aos Ovos de<br />
Ouro”, rindo-se da própria insensatez ao mesmo tempo em que se serve desta para<br />
reerguer-se.<br />
Assim, quando publicou, em 1964, seus postulados básicos da Universidade<br />
Humorística do Méier, no de fictício número 3.408, ele foi — como até hoje o é —<br />
contundente quanto a este ponto:<br />
O Humorista tem que fazer tudo para que sua profissão renda o máximo,<br />
econômica e socialmente. Só assim ele poderá ter superioridade sobre os<br />
que julgam valer o dinheiro que possuem, e crêem a posição social um<br />
direito ao massacre da personalidade alheia [...] ( FERNANDES, 2004,<br />
p.164).<br />
Há aí a “irresistível indignação social, moral e humanística” (IBIDEM, p.141)<br />
que, para ele, é o fundamento do Humor que merece tal nome. Estes aspectos<br />
surgem em toda a sua produção, valendo-lhe inclusive várias expulsões de órgãos<br />
da imprensa onde há muito trabalhava. Nunca se retratou, mas sempre encontrando<br />
outro veículo onde exercer seu ofício, denunciava as razões autoritárias que<br />
cercearam sua autonomia de autor. Não poucas vezes, no próprio jornal ou revista<br />
em que publicava diária ou semanalmente, se lhe impunham qualquer censura ele a<br />
expunha a céu aberto ali mesmo. E caso houvesse recusa em veicular a denúncia,<br />
pegava sua carteira profissional, pedia demissão e ia caçar outro pouso. Seguia,<br />
ferrenhamente, o postulado básico número 3.408, por ele redigido e aprovado. Não<br />
85