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ANUNCIATA E SEU HUMOR - CES/JF

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inequivocamente, a radical recusa millôriana da prática da psicanálise como<br />

instrumento terapêutico, principalmente em virtude do privilégio concedido à<br />

fragmentação do discurso. Esta recusa, entretanto, não se estende à teoria de Freud<br />

(Cf. Millôr, 2004, p. 164). E para ir adiantando um pouco o assunto, não custa nada,<br />

mais uma lenha na fogueira:<br />

POEMINHA PSICOTERÁPICO<br />

O que disse o psicanalista<br />

Pra Branca de Neve?<br />

— Não é nada, não é nada,<br />

Bonitinha, não é nada.<br />

Você tem apenas uma forte repressão<br />

A espelhos, pentes<br />

E maçãs envenenadas<br />

(IBIDEM, p.145).<br />

É nítido o reducionismo que Millôr denuncia na prática psicanalítica, e que<br />

está também presente na “Ode ao psicanalista”. Neste “poeminha” sobre Branca de<br />

Neve, não existe, de fato, o ciúme, a inveja — que pode virar tentativa de destruição<br />

do possuidor dos atributos ou objetos invejados — ou, em suma, a própria realidade.<br />

Não adianta Branca de Neve declarar que está sendo ameaçada e perseguida,<br />

argumentar e arrolar motivos gerados pelo contexto em que vivia. Tudo se passa,<br />

tão somente, como efeito de forças internas que a fazem sofrer apenas por conta<br />

“de uma forte repressão a espelhos, pentes e maçãs envenenadas” (IBIDEM) que a<br />

acossam a partir do Inconsciente. Millôr é totalmente avesso a tal concepção.<br />

Nota-se, por estes primeiros elementos, que Millôr mostra-se avesso à prática<br />

da psicanálise, aos seus procedimentos terapêuticos. Mas, como ele não pára por<br />

aí, melhor deixar que ele exponha todos os termos de sua contestação, à sua<br />

maneira:<br />

Acho muito natural que muitos leitores não entendam certas posições<br />

minhas e confesso meu enorme tédio em explicá-las. Não sou dado a ficar<br />

toda hora apresentando bolhetim de bom comportamento pra [...]<br />

psicanalistas que pretendem transformar seu trabalho (jamais ciência, em<br />

seu melhor momento uma maravilhosa especulação) numa terapia a bom<br />

mercado [...] (FERNANDES, 1985a, p.77)<br />

A partir de então, a crítica millôriana tem dois alvos específicos, quando se<br />

trata da psicanálise: a pretensão científica, ou melhor, seu posicionamento como<br />

ciência, e seu próprio valor terapêutico. Este último já se tornara evidente como<br />

ponto crucial desta crítica, e o outro surge com mais nitidez no artigo acima citado.<br />

Qualquer um que se sinta tentado e disposto a atravessar toda a vasta<br />

produção de Millôr editado em livros, encontrará vários outros exemplos e formas de<br />

expressão desse combate à psicanálise como terapêutica e ciência, com o maior<br />

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