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Por outro lado, para constituir o mundo de tal forma que este se apresente<br />
como alteridade, a criança se envolve numa complexa trama:<br />
Como tentei enunciar, a pulsão é destrutiva. A sobrevivência do objeto<br />
conduz ao uso do objeto, e isto, à separação de dois fenômenos<br />
distintos:<br />
1. fantasia, e<br />
2. colocação real do objeto fora da área de projeções.<br />
Esta premência destrutiva muito inicial, portanto, tem uma<br />
função positiva vital (quando, pela sobrevivência ao objeto, ela<br />
funciona), a saber, a objetivização do objeto [...] (WINNICOTT, 1994,<br />
p.186 ).<br />
Já em 1942, no artigo “Por que as crianças brincam”, Winnicott anteciparia a<br />
questão da sobrevivência do objeto, presente em seu estudo de 1968, “O uso de um<br />
objeto e o relacionamento através de identificações”. O brincar, de 1942, envolve a<br />
presença de elementos agressivos dirigidos ao ambiente, que, por sua vez, devia<br />
suportá-los com tolerância. É esta tolerância que, em 1968, se apresenta como<br />
sobrevivência:<br />
A criança aprecia concluir que os impulsos coléricos ou agressivos podem<br />
exprimir-se num meio conhecido, sem o retorno do ódio e da violência do<br />
meio para a criança. Um bom meio ambiente, sentiria a criança, deveria ser<br />
capaz de tolerar os sentimentos agressivos, se estes fossem expressos de<br />
uma forma mais ou menos aceitável. Deve-se aceitar a presença da<br />
agressividade, na brincadeira da criança, e esta sente-se desonesta se o<br />
que está presente tiver de ser escondido ou negado (WINNICOTT, 1979,<br />
p.161-162).<br />
Assim, Winnicott passou a destacar o papel desempenhado pelo ambiente<br />
que sobrevive à quase modesta destruição perpetrada pelo infante como a primeira<br />
e privilegiada forma de fornecer ao futuro indivíduo o imprescindível acesso ao uso<br />
do objeto:<br />
O destino dessa unidade de pulsão não pode ser enunciado sem referência<br />
ao meio ambiente. A pulsão é potencialmente ‘destrutiva’, mas ser ela<br />
destrutiva ou não depende de como é o objeto; o objeto sobrevive ,isto é,<br />
mantém o seu caráter, ou reage? No primeiro caso, então, não há<br />
destruição, ou não muita, pelo menos, e há um momento seguinte em que o<br />
bebê pode tornar-se, e gradualmente se torna, cônscio de um objeto<br />
psicoenergizado, mais a fantasia de ter destruído, machucado, danificado<br />
ou provocado o objeto [...]. Mas destruição de um objeto que sobrevive, que<br />
não reagiu nem desapareceu, conduz ao uso (WINNICOTT, 1994, p.190 ).<br />
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