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LIÇÃO.<br />
MORAL: UM PROFESSOR DEVE SEMPRE DAR UMA<br />
Explicação oportuna: Aos mais precipitados dos meus leitores, que acusam<br />
minhas morais de serem usualmente imorais ou amorais, peço que atentem<br />
sempre para o mais profundo sentido moral que empresto às minhas<br />
MORAIS.<br />
No caso do presente raconto, por exemplo, o leitor desatento é levado a um<br />
sentimento de profunda pena pela sorte do estudante e de profundo asco<br />
pela atitude do professor. Mas os meus melhores leitores verão logo que o<br />
professor só fez o que deveria fazer, estando, como estava, seu pequenino<br />
coração cheio de gratidão para com o grande estudante. Este, além de<br />
afirmar alto e bom som, na crise de desespero tida na biblioteca, que seu<br />
destino não era estudar abstrações e sim aperfeiçoar seus predicados<br />
físicos, fora já, numa prova concludente de sua inaptidão para os estudos<br />
convencionais, apanhado dormindo durante o período da aulas. Ora,<br />
denunciando-o, o nosso professor só teve um comportamento altamente<br />
moral, embora completamente anti-convencional. Fez com que o aluno<br />
pudesse ter nova oportunidade de seguir seu verdadeiro destino de<br />
brutamontes, sereno e feliz, sem doutoranças na cabeça. Encheu-se, a si<br />
mesmo, do delicioso bem-estar da gratidão devidamente paga. Estabeleceu,<br />
para si mesmo, a suprema satisfação de demonstrar sua capacidade de<br />
enfrentar o erro e o opróbrio da opinião ortodoxa, a felicidade de sentir-se<br />
um homem incompreendido quando, até então, tinha sido apenas um<br />
professor incompreendido. E a luz foi feita (FERNANDES, 1985b, p.75-77). 9<br />
O humor rascante é aqui levado à sua profunda matriz: a superação movida<br />
por irrevogável indignação, pela crueza que expõe as tolices reinantes e busca,<br />
contra todos os impropérios que lhe dirige a realidade, um orgulho de ser. Assim, um<br />
professor incompreendido, torna-se um homem incompreendido e encontra sua<br />
essência; superou a mediocridade em que o tinham pela conquista de lugar mais<br />
apropriado. Se antes era incompreendido porque ninguém lhe prestava atenção,<br />
agora é incompreendido porque todos o acusam de desumano ( ou de lídimo<br />
representante do absurdo ) e ninguém entende suas possíveis razões, o que lhe<br />
permite rir da realidade canhestra que o circunda. Ampliou seu horizonte.<br />
4.3.3 Contrapontos<br />
O diálogo entre Millôr e La Fontaine, dentro desta aparente — como se<br />
procurou demonstrar — ruptura entre anteriores e atuais originalidades, encontra<br />
ainda outros três ensejos mais explícitos para ocorrer, além dos artifícios anteriores.<br />
No primeiro, a partir de um enredo sobejamente conhecido ( que, no caso de<br />
La Fontaine, encontra-se na íntegra, em francês e português, e com o devido apreço<br />
por sua apresentação em versos, nos Anexo C deste estudo conforme arrazoados<br />
9 FERNANDES, Millôr. Fábulas fabulosas, 10 ed. Rio de Janeiro: Nórdica, 1985b. A partir daqui, citaremos<br />
este texto, sempre por esta edição, pela abreviatura FF, seguida do número de página.<br />
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