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onipotência — onde a ilusão tenha seu lugar pertinente e o afastamento deve ser<br />
consolidado pelo ato de dispor eu-aqui/não-eu acolá.<br />
O processo de des-ilusão que se segue é, na verdade, uma outra construção:<br />
a construção da realidade não-eu. Esse processo constitutivo da realidade passa<br />
por um conjunto de operações que têm a função de intermediar e propiciar essa<br />
travessia entre o subjetivo e o objetivo, entre os objetos subjetiva e objetivamente<br />
percebidos:<br />
A área intermediária a que me refiro é a área concedida ao bebê, entre a<br />
criatividade primária e a percepção objetiva baseada no teste de realidade.<br />
Os fenômenos transicionais representam os primeiros estádios do uso da<br />
ilusão, sem os quais não existe, para o ser humano, significado na idéia de<br />
uma relação com um objeto que é por outros percebido como externo a<br />
esse ser (IBIDEM, p.402 ).<br />
Sair da ordem da experiência de onipotência e entrar no mundo dos objetos é<br />
entrar na experiência cultural, na realidade compartilhada. Isto significa<br />
fundamentalmente deixar uma forma de relação e entrar em contato com outra:<br />
Em essência a experiência cultural tem suas raízes calcadas na relação<br />
precoce de separação do par mãe-bebê. Uma vez que o ambiente se<br />
apresenta como facilitador e suficientemente-bom o bebê terá a ilusão de<br />
'ser Deus'. A partir desta experiência ele passa a desenvolver e elaborar um<br />
processo de desilusão onde fica evidente que ele, de fato, não é Deus. A<br />
fim de auxiliá-lo na passagem da ilusão à desilusão, o bebê que é saudável<br />
ou a criança pequena irá fazer uso de um objeto transicional (ABRAM, 2000,<br />
p.86). 5<br />
O objeto transicional, para que ocupe tal lugar, constitui-se num símbolo da<br />
união do bebê e da mãe (ou parte dela) e situa-se, exatamente, no espaço e no<br />
tempo, onde e quando a mãe se encontra, na perspectiva do bebê, entre ser<br />
concebida e ser percebida pelo bebê. "O uso de um objeto simboliza a união de<br />
duas coisas agora separados, bebê e mãe, no ponto, no tempo e no espaço, no<br />
início de seu estado de separação” (WINNICOTT, 1975,p.135 ).<br />
A questão transicional é, em Winnicott, levada ao pé da letra e de tal forma<br />
que um passo, para alcançar o outro lado, precisa saber como levantar, arquear,<br />
lançar e apoiar o pé. Não se pode pensar num avanço (numa evolução, no sentido<br />
darwiniano) sem que se tracem e encontrem os elos de união entre um ponto e outro<br />
durante todo o trajeto. O trajeto aqui concerne à separação mãe-filho, a partir de um<br />
5 Ver também, WINNICOTT, 1994, p.90.<br />
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