Amigos Leitores - Intervenção urbana
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utilização, ora de funcionamento e explicação é igualmente o corpo<br />
naturalizado da mulher em sexo e reprodução.<br />
A proliferação de novas identidades- transexuais, bi-sexuais, homossexuais-<br />
em sua cristalização, em suas reivindicações identitárias reproduzem as<br />
representações hegemônicas na medida que se afirmam em “oposição a ”,<br />
“diferente de”, ou seja, o múltiplo gira em torno do eixo unificador do corpo<br />
sexuado de forma polarizada.<br />
A noção do “dispositivo” em Foucault é um poderoso instrumento teórico<br />
para a análise da constituição dos corpos em configurações de gênero, na<br />
medida em que se explicita segundo este autor, como sendo “(…) de<br />
natureza essencialmente estratégica, (…), de uma intervenção racional e<br />
organizada nestas relações de força, seja para desenvolvê-las em<br />
determinada direção, seja para bloqueá-las, para estabilizá-las, utilizá-las,<br />
etc”(35) Para Foucault, “(…)é isto o dispositivo: estratégias de relações de<br />
força sustentando tipos de saber e sendo sustentadas por elas.” (36) Como<br />
não perceber os indícios que apontam para a análise das situações<br />
específicas, da experiência singular das mulheres em configurações sociais<br />
diversas?<br />
Contrário às grandes esquematizações totalitárias, Foucault concebe o<br />
poder como uma “(…)multiplicidade de relações de força que são imanentes<br />
ao domínio onde se exercem e são constitutivas de sua organização (…)<br />
estratégias enfim, nas quais se efetuam, cujo desenho geral ou cristalização<br />
institucional tomam corpo nos aparelhos estatais, na formulação da lei, nas<br />
hegemonias sociais.”·<br />
Assim, os micro-poderes podem ser vistos instituindo os corpos em relações<br />
dadas, que tem o mérito de excluir as generalizações abusivas, em termos<br />
de essências e papéis universais. Se este poder é difuso, ele se exerce no<br />
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adensamento das relações sexuadas e sexuais instituindo a sociedade, o<br />
imaginário hegemônico e as representações sociais que presidem a<br />
modelagem e a utilização dos corpos. Como assinala Foucault as estratégias<br />
são anônimas, mas a (…) racionalidade do poder é a das táticas muitas vezes<br />
explícitas no nível onde se inscrevem(...) que se encadeando, se<br />
interpelando e se propagando, encontram alhures seu apoio e sua condição<br />
e desenham dispositivos gerais.” (37)<br />
Existiriam, porém, sociedades em que o poder não seja o fio constitutivo das<br />
relações sociais? Esta é uma questão que o feminismo coloca sobre os<br />
mecanismos produtores do social à história, cujos discursos e<br />
problematizações tem sido construídos igualmente em programas de<br />
verdade.<br />
Nesta vontade de saber localiza-se a construção dos corpos biológicos<br />
constituídos em sexo e é inegável que a sociedade ocidental reconstrói<br />
constantemente uma divisão que, dentre todas, marca do selo da<br />
subordinação mais da metade de sua população.Como sublinha Foucault<br />
“Deve-se supor que as relações de força múltiplas que se formam e atuam<br />
nos aparelhos de produção, as famílias, os grupos restritos, as instituições<br />
servem de suporte a grandes efeitos de clivagem que percorrem o conjunto<br />
do corpo social.” (38)<br />
Na busca de desvelar a vontade de verdade que anima a necessária<br />
identificação sexual e a delimitação das práticas sexuais, as figuras de<br />
feminino e masculino se erigem como monumentos no sentido<br />
foucaultiano: não imagens unitárias de uma essência revelada pelos indícios<br />
do corpo, mas apenas o resultado aparente de uma homogeneização<br />
construída pelo arbítrio social. E afinal, neste meio século de feminismo<br />
contemporâneo tem-se buscado, com a desnaturalização dos papéis<br />
sexuais, os mecanismos de construção e apropriação dos corpos