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Amigos Leitores - Intervenção urbana

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tecnociências biomédicas também são tecnologia. Nesta conformidade, o<br />

pioneirismo da tecnologização do sexo cabe à farmacologia, com a pílula<br />

anticoncepcional, que se alça de pleno direito ao estatuto de ator no<br />

processo de separação entre sexualidade e reprodução. As possibilidades<br />

abertas pela procriação medicamente assistida dão um novo sentido àquela<br />

separação: se, primeiro, se tratava de tornar não reprodutiva a<br />

heterossexualidade, depois foram as sexualidades não reprodutivas que,<br />

simetricamente, puderam aceder à reprodução por meio da inseminação<br />

artificial, de que os casais de lésbicas fornecem o exemplo mais notório. Isto<br />

é, a mediação tecnológica da sexualidade permitiu que se passasse da<br />

ancestral sexualidade procriativa à sexualidade sem procriação e desta à<br />

procriação sem sexualidade, numa ruptura com o natural como horizonte<br />

normativo da intervenção tecnocientífica humana que esvazia de<br />

fundamento antiquíssimos tabus. O afastamento da animalidade representa<br />

pois uma perda da referência da vida humana à natureza. O devir-humano,<br />

que se traduziu sempre por esse rompimento progressivo, patenteia-se cada<br />

vez mais como artificialização na era da tecnociência. Simplesmente, o que<br />

aconteceu foi que o artifício tecnocientífico veio a se sobrepor ao artifício<br />

simbólico. Deste ponto de vista, a tecnologização da vida em geral, e do<br />

sexo mais particularmente, não deixa de possuir uma inegável dimensão<br />

emancipatória, na medida em que ameaça de modo direto os fundamentos<br />

mítico-simbólicos da regulação moral e jurídica do sexo. A tecnologização do<br />

sexo opera hoje transformações com uma magnitude e um alcance<br />

equivalentes ao que ocorreu na sequência da industrialização, da<br />

urbanização e da secularização do século XIX.<br />

Com o cibersexo, a tecnologização da sexualidade atinge um novo patamar.<br />

Parece, no entanto, que o cibersexo, no que lhe sobra em ciber, falta-lhe em<br />

sexo. Vistas de perto, as folias cibersexuais são regidas por um noli me<br />

tangere tecnológico que veio a substituir a moral. O flerte virtual, ou se<br />

resolve no encontro real, ou suspende para sempre a presença do outro,<br />

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aproximando-se do dispositivo erótico de dissuasão do sexo de que<br />

falávamos antes: é sempre possível pura e simplesmente desligar. A maior<br />

contribuição da cultura das redes para a sexualidade dos nossos<br />

contemporâneos será sobretudo a criação de comunidades virtuais,<br />

assentadas sobre três pilares: o flerte sobretudo através de salas de<br />

conversação (chats), mas também da divulgação de perfis, a criação de<br />

personae sexuais nos sites especializados em encontros ou em páginas<br />

pessoais e blogs, e o comércio de artigos e imagens, mas também a<br />

prostituição e os serviços de acompanhantes (entre os quais há incluir as<br />

redes criminosas dedicadas à prostituição e à pedofilia). A comunicação<br />

online é uma forma de telecomunicação em que a simultaneidade<br />

desempenha um papel de destaque mas não esgota de maneira alguma<br />

todas as possibilidades que se oferecem. De fato, a telecomunicação<br />

multidimensionaliza o espaço social, estratificando-o em camadas que se<br />

reforçam tanto mais quanto é menor a sua visibilidade, pois que as relações<br />

começam por estabelecer-se no interior do espaço privado dos utilizadores<br />

de computadores pessoais, longe dos olhares de censura, inquisidores ou<br />

simplesmente voyeurs do espaço público. Neste sentido, as comunidades<br />

sexuais virtuais reconstroem o relacionamento interindividual fora dos<br />

sistemas formais há muito existentes, ou sedimentados, para esse efeito. E<br />

aqui todas as antigas distinções efetivamente soçobram, entre o público e o<br />

privado, o social e o pessoal, o armário e a assumpção. Todavia, para que o<br />

sexo do cibersexo sobrepuje o ciber que não o é, terá, e para o ser<br />

realmente, de passar das preliminares, ensaiadas à distância, ao ato<br />

presente. O mesmo se aplica à teledildônica, a estimulação sensorial por<br />

meio de próteses eletrônicas. “Inter urinas et faeces nascimur”, gozamos e<br />

morremos, e ainda não se achou sucedâneo satisfatório para isso. Neste<br />

sentido, ainda não há condições para se saber o que um ciborg realmente é,<br />

para além de um vago termo englobante de realidades muito diferenciadas.<br />

Mais, a noção de corpo pós-humano não deixa também de ter o seu quê de<br />

equívoco, porquanto pressupõe que tivesse alguma vez existido, para

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